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domingo, 30 de novembro de 2014

Frustração alheia




A compaixão é um sentimento nobre que deveria integrar o espírito de cada ser humano e, além disso, ter vazão sempre que necessário. Leigo, sempre entendi a compaixão como dó. Não é. Compaixão é a capacidade de uma pessoa solidarizar-se com a dor de outra, de estar com ela numa mesma vibração, acompanhá-la numa mesma página (cum pagna = acompanha). Enfim, é sentir a dor do outro. Uma das extensões desse sentimento me chama a atenção hoje: o fato de algumas pessoas, comovendo-se, atrair para si a culpa pelo insucesso que determinou o sofrimento alheio.

Penso em treinadores, por exemplo, que planejam todos os treinamentos da semana e os executa, jogada a jogada; investe tempo em cada jogador responsável por colocar em prática toda a tática de jogo, responsável por fazer acontecer no campo todas as estratégias acordadas durante a semana, com a finalidade de se vencer uma partida. E ocorre de um e/ou outro não fazer sua parte com a devida eficiência e, por isso, provocar a derrota de sua equipe. Um treinador, condoendo-se, poderia muito bem assumir para si a responsabilidade pelo erro do atleta, pensando que não o treinou direito.

Em situação semelhante, enxergo também professores que se dedicaram o ano todo a ensinar da forma mais clara e eficaz possível a matéria que seria necessária ao seu aluno, a fim de que ele obtivesse resultado favorável ao final do ano escolar, ou mesmo (como é o caso de hoje) ao final de um exame vestibular, como a Fuvest. Mas muitas vezes acabam ocorrendo falhar por distração ou por não preparo físico e emocional para as avaliações decisivas. Diante do insucesso de um e/ou de outro, um professor, triste, pode acabar achando que não preparou seus alunos com a eficácia necessária.

No mesmo tipo de culpabilidade estão muitos pais que se veem diante de frustrações de seus filhos que, a despeito de toda a educação e de todas as orientações recebidas de seus pais, acabam se envolvendo com ilícitos e, por isso mesmo, expostos a situações de riso e flagrantes indicadores de má conduta. Muitos pais, frente ao sentimento de humilhação do filho, podem ficar se perguntando sobre onde erraram, oque poderiam ter feito para que aquilo não acontecesse etc. etc. etc.  Não, isso não é o que deve acompanhar a compaixão. Não é assumir a frustração alheia.

sábado, 29 de novembro de 2014

Do tempo



Este, sim, o tempo - ele pode dizer que é soberano sobre todos nós. Pessoas que têm vida normal, isto é, cujo comportamento é semelhante ao da maioria, não têm muita alternativa a não ser conformar-se às limitações que o tempo impõe. E é bem esta a palavra: impõe. Tomo sempre emprestado de Oswaldo Montenegro o verso segundo o qual "o tempo não pede permissão para passar".

A gente mesmo vai ajustando a vida em função dele, do tempo. Primeiro, que o tempo de vida que temos determina o grau de dependência que apresentamos aos outros - que acabam cuidando de nós, quando somos crianças. Isso tende a diminuir na adolescência, quando passamos a assumir algumas responsabilidades, e vai tomando cara nova - uma cara que tem todo jeitão de independência, mas que, na verdade, é só uma nova cara, porque passamos a depender de outras coisas e pessoas, que vão dispor de mais de menos tempo para nós.

A medição do tempo, que entendemos como de absoluta precisão - a julgar pela regularidade do Big Bang, por exemplo - é algo que nos oprime ao mesmo tempo em que nos motiva. Curioso pensar o que é 1 segundo para quem está curtindo uma manhã ensolarada na praia... e 1 segundo para um atleta corredor de Fórmula1... e para alguém que tem o infortúnio de estar em meio à queimadura ou afogamento. Apesar de sua precisão matemática, o tempo não é preciso. Mas é preciso tempo.

A medição do tempo é uma coisa. O tempo é outra. Ele passa por nós e deixa sua marca independentemente dos tic-tacs que ouvimos dos relógios analógicos ou dos números se alternando freneticamente nos visores de relógios digitais. Ele deixa marcas na nossa história pessoal, estudantil, profissional, interpessoal. Ele deixa sua marca em nós. E, como se não fosse suficiente todo esse poderio, ele também faz cessar o tempo de nossos órgãos vitais - razão pela qual, é preciso estarmos atentos, porque não é só ele que passa. 


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Sem ver




Hoje tentei fazer um exercício de pensamento a partir de uma notícia que recebi. Imediatamente me lembrei dos versos de Paulinho Moska: "me diz o que você faria se só te restasse esse dia". Só que parafraseei e pensei algo relacionado à notícia recebida. Fui informado de que uma pessoa querida da família havia perdido a visão. Está entre os 65 e 70 anos, por isso já viveu bastante e já viu muita coisa, muita cor, muitas formas. Mas e agora? Logo perguntei para mim mesmo: o que eu faria se perdesse a visão?

Logo, assim de repente, talvez menos que de repente, subitamente. Sim, subitamente pensei nas minhas filhas. Hoje, pensando e podendo ver tudo que está ao meu redor, eu acredito que não seria capaz de suportar viver sem poder olhar para elas e apreciar sua beleza, seu sorriso, a roupa que vestem, as expressões faciais, seu caminhar, seus gestos... não suportaria viver sem olhar o olhar delas. O olhar pelo qual me veem e pelo qual as vejo. Acho que minha vida iria se escurecendo como teriam se escurecido todas as imagens mortas em minha visão.

Pensei no que eu faria se me tornasse cego - ou deficiente visual, como deveria dizer de um modo politicamente correto. Fiquei envergonhado por não saber responder a essa pergunta. Não achei em minha memória um ofício que eu pudesse exercer nessa condição. Disse-me a mim mesmo que procuraria viver escrevendo. Sim, porque felizmente consigo digitar sem depender olhar para o teclado. De mais a mais, tenho um aplicativo que transforma em texto escrito um texto falado.

Vou ficar mais atento ao que posso fazer no caso da perda de algo tão precioso. Devo ser meio maluco, pois esse pensamento já me ocorreu outras vezes - tanto que já me preparei e hoje consigo, por exemplo, escrever com a mão esquerda. Também aprendi a chutar com a perna esquerda. Quer dizer - será que quer dizer mesmo? - que ando me preparando para perdas grandes? Que mal isso! Não quero nem ver onde este pensamento vai dar. Mas peço a Deus que não permita que eu fique incapaz de ver. Não sei o que eu faria.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Homenagear



A vida passa pela gente como um vento passa na beira do mar e agita nossos cabelos, ajusta nossos pelos, traz areia, seca a água e fixa o sal no nosso corpo. Quer dizer, ele passa e sinaliza com vida, alterando aquilo que era, na direção do que há de ser. E enquanto interagimos durante a passagem desse vendaval sereno e perene, fazemos coisas grande e coisas pequenas; coisas para esquecer e coisas para homenagear.

As coisas pequenas do dia a dia adiam um reconhecimento mais efusivo, mas cheio de pódio, um reconhecimento que nem é o mais indicado, mas que de vez em quando, pela multiplicidade de pessoas que veem ou ouvem, torna-se maior, mais visível, mais passível de recordação. Mas não estou certo se é este que permanece. Penso que o reconhecimento que fica é justamente o que faz a diferença pequena, mas eterna, na vida das pessoas.

Dos pequenos reconhecimentos de todo dia, de um simples "obrigado", de um sorriso grato, de um abraço amigo, de um gesto carinhoso... até uma homenagem grandiosa, pública, espalhafatosa e repleta de pompas e circunstâncias, em ambos os casos, o importante não é ser  ou deixar de ser homenageado, mas ter a certeza de que, na disputa em questão, fez-se tudo o que estava ao alcance.

Dessa forma, faz-se necessário que cada um esteja preparado para receber lufadas do vento que insiste em passar por nós, trazendo o reconhecendo pelo que fizemos, fazemos e faremos. E a graça disso tudo não está no troféu, na placa, na faixa ou sema lá onde for. Antes, está graça de estar à beira
do mar sendo tocado pelas ondas de coisas boas que a própria vida nos reserva.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A parte que lhe cabe

Sabe aquelas vezes em que um pensamento atravessa sua cabeça de lado a lado e se traduz em um conjunto de palavras que dizem: "bom; fiz o que estava ao meu alcance. Se a pessoa não aproveitou, paciência". Me lembra bem a música deliciosa na voz de Paula Lima: "preparei uma roda de samba só pra ela, mas, se ela não sambar, isso é problema dela". Na verdade, esta é uma música bem (mas bem mesmo) antiga. Só que seu conteúdo é atualíssimo.

É mais ou menos o que se passa com aquela jogada genial em que um gênio do time dribla um, deibla dois, divide uma bola com o terceiro, sai na cara do gol e, vendo um companheiro em melhores condições de fazer o gol, passa-lhe a bola. Mas, por descuido ou por achar que o gol já está feito, ele bate displicentemente na bola... e a bola não entra. Juntamente com o uuuuuuuuhhhhh da torcida, o gênio que deu o gol feito pensa: bom, fiz o que estava ao meu alcance.

É também o que se passa com aquele sujeito bem perdido que nos para na rua e pede uma informação sobre como chegar a determinado lugar. Depois de toda paciência do mundo com a qual lhe explicamos como chegar ao seu destino, ele deixa de seguir uma das instruções e vai parar em outro lugar - sabe lá Deus qual. O mesmo se passa com o que deu a orientação segura: bom, fiz o que estava ao meu alcance.

Ou ainda o que vemos nas escolas neste final de ano nas escolas em geral: professores e coordenadores que se desdobraram para promover condições para que o aluno aprendesse o que se fazia necessário, a fim de que obtivesse sucesso e fosse aprovado e passasse a cursar a série seguinte. No entanto, a despeito dos esforços dos adultos, o aluno - tal qual criança mimada ou mal educada - não segue as orientações e se coloca na posição limite entre aprovação e reprovação. Caberá a eles reiterar que sua parte foi feita. Provavelmente, aquela frase vai se repetir. 


terça-feira, 25 de novembro de 2014

70 anos



Vendo o show de Paul McCartney com minha filha, fico embasbacado entre uma música e outra (aliás, praticamente não espaço entre elas); fico embasbacado enquanto ele toca uma música, qualquer que seja. Como conseguiu ter feito tantas músicas boas? E mais: como consegue reproduzi-las hoje ao vivo no palco por horas e com a mesma energia e qualidade?

O mesmo ocorre com Bob Dylan, Rolling Stones e outras bandas que têm setentões entre seus integrantes. Acredito que já tenha dito isto aqui no blog, em pelo menos um dos quase 700 textos que já publiquei: até meus 70 anos espero já ter feito tudo que tenha ousado querer fazer. De modo que vejo a data como um limite para encerrar minhas atividades em meio aos viventes. Como na imagem que utilizei para ilustrar este texto, o sol estará se pondo, o guindaste da construção se retirando, e os 70... os 70 já construídos, como deveriam estar.

Até chegar lá, quero continuar esbanjando saúde e energia. Fazendo o bem e, na maioria das vezes, colhendo o bem que brota das pessoas - não em forma de retribuição, mas em forma natural de ação ao bem que lhes é desinteressadamente endereçado. Ainda vou querer ver gente aprendendo comigo. "Quero ver feliz quem andar comigo" - cantaria Bethânia (outra setentona). E vou fazer questão de conhecer pessoas e lugares novos.

Antes de chegar aos 70, espero ter superado minhas dificuldades pessoais e conhecidas da minha forma peculiar de viver, dificuldades que dialogam comigo todo dia na esperança de serem vencidas. Espero continuar com meu amor incondicional pela música, e que eu possa ainda me alimentar do amor espontâneo que tenho por minhas filhas. Com a mesma energia e qualidade de um Paul McCartney, quero continuar amando as pessoas que me rodeiam e que me querem bem.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O eco do que falamos




Geralmente não fazemos ideia do que acontece na cabeça das pessoas quando falamos com elas ou quando falamos para elas. São tantas as possibilidades de entendimento, que chegamos a torcer para sermos minimamente entendidos. São tantas as possibilidades de interpretação, que quase imploramos para ser interpretados adequadamente. Quando a pessoa dá algum retorno ao que dizemos, quando ela ecoa a nossa voz, só assim é que temos alguma condição de mensurar o grau de compreensão daquilo que falamos. Ou escrevemos. Daí o eco ser algo de extrema importância.

Estou em período de fechamento de ano escolar. As aulas regulares em si já foram encerradas; o que há daqui para frente são provas finais, inclusive as de recuperação. Quer dizer: alguns alunos eu terei visto pela última vez hoje - ao menos como alunos meus. Pois foi numa situação como esta que hoje o dia me reservou uma surpresa daquelas de fazer a gente olhar pro céu e pra dentro de si mesmo e agradecer o fato de ter estado entre esses alunos especificamente.

Em meio à finalização de uma aula, última aula de uma turma que nem de longe foi a melhor daquela série, quando já me encaminhava para fechar minhas coisas e me despedir dos alunos, uma menina - das mais discretas e competentes da sala, se dirigiu a mim e tomou a palavra: "Ever, queria te agradecer. Não pelas coisas que me ensinou de Português. Mas pelo que me ensinou sobre a vida". Suas palavras me levaram a uma espécie de paraíso existencial. Rapidamente voltei meu olhar para esta realidade e lhe agradeci palavras tão significativas.

De verdade, essa é a razão da minha atuação frente a quem (ou a que) quer que seja: quero fazer diferença - por mínima que seja - na vida das pessoas. Com ou sem reconhecimento delas. E isso vale pra todos: parentes, amigos, colegas de trabalho. A fala da Dani foi um eco dos mais agradáveis de tudo aquilo que procurei ensinar aos alunos neste ano (e sempre). Eu não tinha ideia de que meus alunos tivessem percebido isso tão cedo, imaginava que fossem perceber mais adiante, mais amadurecidos. O eco checou enquanto minha voz ainda ecoava.



domingo, 23 de novembro de 2014

Conhecer para (não) julgar




Julgar é coisa para juiz de direito, para aquelas pessoas que estão socialmente investidas do poder de determinar pela condenação ou absolvição, pelo pagamento ou não de multas, dívidas ou sei lá o quê. Mas até eles cometem erros, às vezes técnicos, às vezes intencionais. Quer dizer, todo mundo pode errar ao julgar - que dirá um cidadão comum como eu, que só tenho meus sentidos para para traçar o limite entre uma coisa e outra, para dizer se algo é isso ou é aquilo (oi, Cecília Meireles!!).

Os Evangelhos já registraram, não sei por qual apóstolos ou se foi por Jesus mesmo: não julgueis para não serdes julgados. Algo assim, parafraseado. E é fato: os julgamentos são necessariamente fruto de um conglomerado de milhares de percepções que se misturam com sensações, com má-fé, com pena ou compaixão, com ódio, com alguma forma de interesse. Diria, até, que julgar é dar um passo para incorrer em erro. Sempre que posso, evito. Ou julgo e guardo o julgamento comigo.

É assim com julgamento de fatos, de pessoas, de acontecimentos... de tudo. Hoje, por exemplo, fui participar de uma corrida que, a princípio, julguei fácil, porque o trajeto era extremamente bonito, em um dos pontos mais conhecidos e turísticos de São Paulo: a região do Parque do Ibirapuera (árvores, lago, estátua, Assembleia...) e mais: pela República do Líbano. Para mim, essa rua é um cartão postal, de tão bonita e tão plana. Então, logo julguei: fácil. Nem me dediquei muito ao alongamento e aquecimento.

Bonito o trajeto? Sim. E muito. Agora... plano??? Me dei mal, porque julguei precipitadamente e, até por conta disso, não me dediquei a ir conhecer previamente o percurso. Daí já viu, tive de arcar com o peso da minha ignorância que me levou a um julgamento errado. E me parece ser assim não só com as corridas, mas também com os fatos, com as pessoas, com os acontecimentos. Com tudo. Mais uma vez, está provado: é errado julgar. Mais ainda julgar errado. A priori, as coisas não são isso ou aquilo.

sábado, 22 de novembro de 2014

Mais experiente



Ao parabenizar uma tia que hoje completa 52 anos, brinquei com ela, lembrando que há exatos dois anos eu a chamei de "meio secular", porque havia completado seus 50 - meio século, portanto. Hoje em meio à nossa conversa, uma verdade se voltou contra mim (ou a meu favor, ainda não decidi isso direito): percebi que, com 46, eu estou mais perto dos 50 do que dos 40.

Eu, com toda certeza, caminho para completar meio século mesmo, e não tenho a menor vergonha disso nem nunca escondo minha idade. Meu ponto agora é que não me sinto mais velho, até porque hoje eu corro mais do que antes; faço mais coisas do que antes, produzo mais. Não é mais velho que me sinto: é mais experiente, mais corajoso, mais seguro (para quase tudo).

Não tenho hoje o menor receio em assumir qualquer situação de fala pública ou de escrita. Nenhuma turma, da educação infantil à pós-graduação me assusta. Dos menores aos maiores, nenhum projeto me assusta. Minhas possíveis falhas no âmbito profissional não me assustam, porque acho que sei sair delas, contornando-as de modo a dar a impressão de que todos saíram ganhando.

Espero muito que esta minha sensação de mais experiência possa me ajudar a superar meus dois principais medos - medos que só eu sei. Sensações que vivem me apertando nas horas mais impróprias, que gritam no meu ouvido quando estou sozinho em casa, medos que insistem em me desafiar praticamente todos os dias. Não os temo, mas os respeito muito, mais do que devo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Da satisfação e aprendizado ao ódio



[...] Enfim, só presenciei apenas 15 min de palestra, pois eu e mais centenas de pessoas nos retiramos dali, pois esses poucos minutos foram o suficiente para transformar aquele momento de satisfação e aprendizado em ódio. Pois em minutos aquele tão desejado palestrante nos mostrou pessoalmente o seu lado mal educado, torpe, grosso, sem escrúpulos". Essas são palavras de uma estudante universitária que foi assistir a uma palestra dada por uma figura importante do cenário esportivo brasileiro.

Errada está muita gente nesta história e, nem de longe (muito menos de perto) eu vou me colocar a julgar A ou B. Não me importa aqui quem esteja certo ou errado. O fato é que ambas as partes mostram suas razões para que uma palestra para 2000 pessoas fosse regada a palavrões e claras demonstrações de insatisfação, desrespeito e falta de delicadeza. De respeito mesmo, melhor dizendo. Mas nem é isso o que me interessa neste fato.

Me interessou muito a frase da moça, segundo a qual "poucos minutos foram suficientes para transformar aquele momento de satisfação e aprendizado em ódio". Ali se deu com a figura de um palestrante, que frustrou 2000 estudantes universitários que pagaram para assistir ao que tinha a dizer, interessados em saber a história vencedora daquela pessoa. Mas poderia ser com outra pessoa, talvez até com um de nós mesmos.

Fazer com que alguns minutos cuja expectativa é de satisfação e aprendizado sejam transformados em decepção e ódio é algo que pode acontecer (infelizmente pode) com qualquer um de nós, pais, professores, amigos... em discurso para muitos ou para poucos. De uma forma ou de outra, não se deixou de aprender algo naquela situação: pelo menos a como não se comportar durante uma palestra.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Muito pra fazer




Tem dias que a gente não acredita no tanto de coisas feitas, e fica se perguntando: meu! como foi possível fazer tudo isso? Se parar pra ver e contar as horas tentando entender como se encaixou tudo naquele tempinho espremido, não acredita e se espanta. É claro que tem o lado inverso disso também: gente que passa horas inteiras do dia e, quando vê, passou já o dia inteiro e quase nada se produziu.

Não é incomum me perguntarem como é que faço tanta coisa num dia só. Minha resposta é sempre: porque faço o que gosto, do jeito que gosto. Quer dizer: me realizo fazendo o que faço, o quanto, o quando e o como faço. Bem que podia ser diferente. Claro que sim, mas... as coisas vão se ajeitando até chegar no patamar em que estão. Quando percebo excessos, consigo abrir mão de uma ou de outra coisa para fazer nada.

Um dia da semana, por exemplo, (qualquer, porque são todos mais ou menos assim) dou aulas regularmente no período da manhã, oriento alunos em recuperação à tarde, atendo alunos em recuperação no final da tarde, levo as filhas pra casa, volto ao escritório para atender mais um aluno e, no meio da noite jogo futebol - o que volta-e-meia acaba em churrasco e cerveja.

No dia seguinte, pode crer, muda uma ou outra coisa, mas acabo realizando outro tanto de coisas. Todas com muito gosto. Um vai me dizer: é um workaholik. Outro me dirá: isso daí é doença. Quem sabe alguém elogie: putz! Que disposição!!. Um outro vai dar uma de psico e dizer: isso daí é fuga. Ah... eu vou mais uma vez com Chicó (Auto da Compadecida): sei não; só sei que é assim.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A ver navios

A gente encaminha um monte de coisas para conseguir fazer algo em um único horariozinho possível, em um tempo que fica no limite extremo entre o "ainda dá" e o "não dá mais". Então, estando tudo preparado, justamemente no momento crucial do início,  falha a tecnologia e a gente fica a ver navios.

Olhando ao longe depois de tentar fechar e abrir novamente duas ou três vezes o programa, depois de resetar a máquina  e esperar mais um tempo, depois de testar tudo de novo e não obter nem um mínimo sinal positivo, nem uma nesga de melhora, a única coisa a fazer é desistir. Isso se dá com maquinas; isso de dá com gente.

Particularmente, situações como essa me fazem lembrar outras em que, ainda alimentado por uma esperança ingênua - daquelas que não se incomodam em ver sangrando a mão que esmurra a ponta da faca - eu insistia em um projeto que mais parecia um vidro estilhaçado que não servia mais para proteção nem para espelho e nem para ornamento.

Talvez por isso eu tenha verdadeira ojeriza a depender do que quer que seja, de quem quer que seja. Nem de longe penso em ser 100 por cento independente. Mas totalmente de perto eu tenho visceral aversão a ser prejudicado pela falta de competência, pela negligência, pela imprudência ou imperícia de algo ou de alguém. Justamente pra não ficar a ver navios.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Ciclo fechando



Neste dia 19 de novembro viverei o último dia efetivo de aula com meus alunos de nono ano 2014, porque logo após virá um feriado ampliado e, já na segunda e terça-feira, haverá provas finais definitivas. Posteriormente a esse processo, virá o período de recuperação - o que significa que não verei mais aqueles que tiverem sido aprovados no ano, sem depender desta última etapa. Terei então encerrado um ciclo. Mais um, na esperança de ter podido conduzir muitos deles à percepção de que viver é bom. E de que se torna ainda melhor se dominarmos certos conhecimentos.

Ciclos vão se fechando na vida da gente, ora por determinação nossa em razão de qualquer motivo de força maior, ora por um descuido que leva inevitavelmente ao fim de uma série de ações que vinham se repetindo até certo ponto, ora por uma ação independente de nossa vontade que impõe um ponto final em um texto que já seguia rumo ao término do qual não poderia mesmo voltar. Seja por que motivo for, "nothing lasts forever", como canta Axl Rose em "November rain".

Independentemente do motivo que tenha gerado o final do ciclo, penso comigo mesmo que o importante é ter a plena certeza de ter feito tudo o que se poderia fazer para que ele chegasse ao término da forma mais serena possível. Ou, ainda, ter a certeza de que, diante da inevitabilidade do fim, estar ciente de que só não se fez mais, porque mais não se pôde. De modo que, a mim me parece que a pior sensação nesses casos é a de se saber responsável por um fim que só veio por descuido, negligência, imprudência ou imperícia.

Por outro lado, a melhor sensação no fechamento de ciclo é poder ter a certeza de que, se bem feito, planejado e executado com clareza e serenidade, o fechamento se transforma em um evento que vai renovar as esperanças de um novo ciclo, de um novo e desafiador momento de vislumbre do futuro.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Resistência




A vida vai passando pela gente, e a gente, grudado nela, vai se tornando mais experiente. Vai se tornando mais velho necessariamente. Mas, mais que isso, vai se tornando resistente. Vai aprendendo a se manter de pé, frente às muitas intempéries que nos são colocadas no dia a dia. Muitas vezes vindas de onde e de quem menos esperamos, tais intempéries são situações que acabam submetendo à prova as nossas forças, a nossa capacidade de reagir com dignidade e nos manter íntegros.

Se em outros tempos, submetidos a um esforço um pouco maior do que o normal, já sucumbíamos às dores que simplesmente teriam se apresentado aos nossos músculos; se já nos encaminhávamos para a interrupção da atividade sem qualquer questionamento; quanto mais tempo vivido, mais capacidade de nos manter em provas difíceis e de grande exigência. Mais maturidade para controlar as dores musculares, mais força de vontade para chegar ao objetivo pretendido. Pelo simples prazer de chegar.

Se antigamente, uma vez expostos a situações que em certa medida tiravam o eixo de nossas emoções, nossa reação era de destemperar; se era de ceder ao afluente das lágrimas, se era de contorcer o estômago com a dor calada, se era de dar às palavras a maior das vazões possíveis repletas de palavrões e de insultos; depois de chegados a uma idade em que as marcas de expressão se fazem mais vistas, teremos aprendido a conviver pacificamente com os mais variados tipos de emoção que nos assaltam diariamente.

Se em plena batalha, seja ela qual for - uma luta, um jogo, uma relação qualquer - outrora parávamos para lamentar os ferimentos e cultivar o sofrimento deles derivado, hoje em novos combates nossa postura é de ter sob o foco não os ferimentos, mas no quantum de força que ainda nos resta para lutar e as estratégias que podemos utilizar para caminhar na direção da vitória. Sim, porque a vitória depende de uma boa dose de resistência, que vem justamente com o tanto de vida que já passou por nós. 

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Cede à sede




Gosto de um poema de Drummond em que ele diz:
"Gastei uma hora pensando em um verso 
que a pena não quer escrever. 
No entanto ele está cá dentro 
inquieto, vivo. 
Ele está cá dentro 
e não quer sair. 
Mas a poesia deste momento 
inunda minha vida inteira."

Ocorre com todos e é o que enfrento agora. Estou há quase uma hora diante do computador, a fim de publicar meu texto de hoje. Mas já fiz muitas coisas: li notícias, vi manchetes, respondi emails, olhei Fb etc., mas nada de eu conceber uma ideia sobre a qual escrever. Tanta coisa boa aconteceu neste dia, mas nada que me inspire tanto, a ponto de se transformar em texto que tenha introdução, desenvolvimento adequado e conclusão.

O horário avançado, seguido do cansaço por um dia em que não parei sequer 1 hora (e isso é literal) é, por certo, um dos motivos pelos quais nenhum tema me chama para escrever. Nenhuma ideia me seduz a ponto de eu querer escrever  um texto inteiro. Me sinto como aquelas pessoas impassiveis diante de qualquer estímulo, por mais convidativo que possa ser. Alguém que cede à sede diante do mar de água potável. Alguém que morre de fome diante de uma mesa farta posta para ele.

É preciso respeitar o momento em que a fonte começa a minguar. Isso me lembra Chico Buarque, que, interrogado sobre estar escrevendo romances, em vez de escrever canções - belíssimas como sempre -  deixou gravada justamente esta frase na mente: tem que aceitar que um dia a fonte seca. E é justamente isso que pode ir nos guiando para outras práticas: assim como ele migrou da canção para o romance, e de vez em quando aparece com canção nova e shows, também nós devemos aceitar o movimento natural de nossa memória e nosso coração. Essa harmonia é que vai nos trazer à tona o verso que despertará a poesia que já nos auxiliar a expor a poesia da vida inteira.


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O mal nos mais jovens




Ao longo dos mais de quarenta anos que já vivi, dos quais metade dedicados à educação de jovens e adultos, pensei ter adquirido experiência suficiente para poder dizer que conhecia bem a faixa etária com que sempre trabalhei. Mas surpresas sempre se apresentam diante de nós e servem para nos ensinar que jamais sabemos tudo. Vale sempre o ensinamento de Sócrates, segundo o qual "tudo que sei é que nada sei". Sábias palavras que nos colocam na base da humildade.

Os últimos meses foram marcados por uma série de acusações entre os candidatos a presidente da República. Tanto no primeiro quanto no segundo turno, foi uma enxurrada de acusações de corrupção de todos os lados para todos os lados. Fundadas ou não, todas as práticas de corrupção revelam que os valores morais estão enfraquecidos; além disso, o sentimento de culpa e de reconhecimento dos próprios erros vem se tornando raridade.

Entre adultos é mais comum presenciar esse tipo de prática pela qual as pessoas procuram atender aos seus próprios interesses, em detrimento do mal que possam causar a outras pessoas. Assim, num egocentrismo exagerado, num hedonismo injustificado, fazem valer o que já alguns séculos Maquiavel havia proposto como aforismo: os fins justificam os meios. Dessa forma, se a finalidade é satisfazer-se, pouco importa se outros serão ou não prejudicados.

Infelizmente tomar conhecimento dessas práticas entre adultos parece estar virando coisa normal. Uma regra. Algo esperado. Algo sem o que algo não seria o que é: a política, por exemplo. No entanto, ver pessoas jovens fazendo isso é absolutamente triste. Ver a normalidade começando a habitar a visão de adultos sobre as práticas juvenis maldosas é infinitamente triste. Lutar contra isso não pode ser, para usar as palavras de Drummond, "uma luta vã".

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

If tomorrow never comes




Há vezes em que a gente ouve coisas que não estava preparado para ouvir. Sempre me lembro de uma conversa que aconteceu atrás de mim entre dois rapazes sentados no metrô, indo para a Vila Carrão, onde daria minha primeira aula em pós-graduação. Um rapaz dizia ao outro: "É, mano. A bagaça lá é fia minha memo". Nunca me esqueci daquela expressão "bagaça". Para mim, mais do que um bom exemplo de variação linguística, virou um contraexemplo de respeito aos filhos. Especialmente ao próprio.

Mas às vezes ocorre de ouvirmos coisas a respeito do pai. Hoje mesmo. Vinha eu voltando do escritório em direção ao colégio e ouvi um rapaz falando ao telefone a respeito de uma experiência sua, que eu nunca saberei qual é, porque peguei só um trecho do diálogo, quando ele disse "Véi, quando eu vi meu pai morto, mano, mudou tudo". Gostaria muito de saber o antes e o depois daquela frase. O que era antes de ver tal cena? E o que foi depois?

Outro dia, agora me ocorre, um colega me disse que não havia percebido o quanto era ligado ao próprio pai, até perdê-lo. Deve ser muito ruim esta sensação, que reforça infelizmente um lugar comum, trivial, que se encerra no pensamento, segundo o qual, "só damos valor às coisas/pessoas depois de perdê-las. Com gente é muito pior. É como tentar tomar o leite que se derramou no chão. Não dá mais, e então nos arrependemos por não ter cuidado direito.

Aos que vivem, que são e/ou que têm filhos. Aos que vivem, que são e/ou que têm pais. A todos os que imaginam ter uma eternidade pela frente. A todos que deliram achando que tudo e todos durarão para sempre. A todos esses é preciso lembrar o verso de Garth Brooks, que, aliás, inicia a música: "If tomorrow never comes". Não só a inicia, como também a encerra. Somos sangue do sangue de alguém. Quer nos ouçam involuntariamente ou não.

domingo, 9 de novembro de 2014

Alegria triste



Chico César é um cantor que muito me encanta com seus versos bem escritos para melodias cativantes. A maneira como brinca com as palavras é fascinante para mim. Por exemplo, quando ele diz "A contenteza dos tristes, tristezura dos contentes". Vê-se claramente o conflito presente na coexistência dos sentimentos, como se ambos pegassem o microfone para cantar, cada um executando uma melodia melancólica simultaneamente a uma melodia festiva.

Era bem esse o sentimento que caracterizava (bem grosso modo) o homem barroco. Seus conflitos sempre aflorados se faziam ver nas palavras, nas esculturas, nas pinturas, nas canções e em tantas outas manifestações que se sintetizam claramente no discurso religioso, fervoroso de pregadores como Antônio Vieira, ou na poesia de Gregório de Mattos - dois autores cujos manuscritos eu pude conhecer e pesquisar com alguma profundidade.

Os alunos de terceiro ano do colégio onde trabalho vivem esse sentimento a partir de amanhã, quando começa a última semana de aula deles. Para muitos, como é o caso da minha filha, estará se rompendo um processo que começou desde o Infantil 2. Sim, é muito tempo. Desde antes do "pré" até o terceiro ano do médio. O sentimento que eles têm agora é similar ao de um homem barroco do século XVII - digno, portanto de um bom discurso retórico.

Por um lado, a contenteza dos tristes se alegra com o fato de ter vivido tantos anos, ter superado tantas etapas, ter experimentado dificuldades, feito muitas provas e chegado até aqui. Prontos para as últimas. Por outro lado, a tristezura dos contentes canta a melodia dos momentos de tanta alegria que vai se esgarçar, os amigos queridos cujo contato vai se perder ou rarear, os professores queridos que vão ficar para trás, as aulas, as provas, os trabalhos... tudo chega a um fim. Não ao fim.

Marcas - sorte até demais



Gosto de um verso do Renato Russo, na música Andréa Doria. Gosto na verdade de muitos versos do Renato e gosto da música Andréa Dória inteira. Hoje um me chama a atenção desde que acordei: "tenho o que ficou e tenho sorte até demais". Isso porque, por diversos motivos, desde a tarde de ontem venho pensando em marcas que ficam em nós, marcas que a própria vida se incumbe de fazer, sem que nos peça licença, permissão ou aquiescência para tanto.

Passado já da casa dos 40 e já na segunda metade em direção aos 50, muitas vezes olho para mim mesmo e acompanho registros que a vida deixou em mim. É assim comigo, é assim com várias pessoas, porque o gênero humano guarda um gene comum de sentimentos que lhe são inerentes. Marcas de nascença temos pelo corpo: uma mancha aqui, outra ali; maior ou menor, menos ou mais discreta. Uma pintinha mais arredondada, ou menos. Todos temos uma marca que nos é peculiar e nos acompanha desde que fomos apresentados a este mundo.

O próprio mundo também se encarrega de nos marcar enquanto interagimos com ele. Nossas práticas cotidianas pessoais, interpessoais, esportivas, culturais, profissionais etc. ficam incrustadas em nós, como troféus de grandes vitórias ou como simples medalhas de participação. Por um lado, por exemplo, o delineamento de alguma parte do corpo ou mesmo do pensamento a respeito da própria vida. Por outro lado, lesões internas, cicatrizes externas e maior ou menor extensão, sentimentos internos que insistem em se fazer notados. Marcas, marcas que estão aí e são um pouco o que somos.

É isso, muito provavelmente essas marcas constituem o imenso emaranhado de experiência de que somos formados. Elas são o baú de recordações, o qual abrimos para guiar o estado de espírito em que queremos nos focar. São elas que nos motivam a alcançar mais vitórias e que, paradoxalmente, nos recolocam diante de eventuais tristezas vividas. De igual modo e em visão ampliada, nós também marcamos a vida das pessoas, e elas marcam a nossa. Por vários motivos, o que sobra de nós nelas e delas em nós são apenas marcas - razão pela qual somos pessoas de sorte. Até demais.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

No lugar do outro



Há pouquíssimos dias iniciei um texto aqui falando sobre um valor cristão: o de que melhor é dar do que receber. Hoje, como se estivesse querendo fazer pregações, quero começar o texto falando de outro valor, igualmente cristão - o que revela claramente minha formação, responsável por me levar até um curso superior de Teologia. O valor a que me refiro é o de colocar-se no lugar dos outros. Rara capacidade que deveríamos ter a fim de nos tornarmos mais ponderados.

É evidente que neste mundo (não sei se poderia afirmar assim) todas as coisas podem ser utilizadas para o bem e para o mal. Isso quer dizer que nada é bom ou mal em si mesmo, mas depende do uso que as pessoas fazem delas. Mas o fato é que até o colocar-se no lugar dos outros pode ser algo cujo resultado seja negativo. Imaginemos um professor, que sendo responsável por seu aluno, por uma ou por outra razão, coloca-se no lugar de seu aluno, assumindo muitas vezes o que deveria ser responsabilidade exclusiva do aluno. Ruim, talvez não para o momento presente, já que um sai como benfeitor e outro sai como beneficiado. Entretanto...

A longo prazo, a repetição daquela atitude vai resultar em uma alta dose de baixa autonomia por parte do aluno, que pode ter aprendido a recorrer a seu professor para resolver seus problemas (fáceis ou difíceis). Se tem este lado de ruim, tem também o lado bom de se colocar no lugar do outro, pois essa atitude nos leva a compreender o modo de o outro pensar e agir. Além disso, muda nosso jeito de conceber (julgar) os outros; aumenta nossa sensibilidade e nosso respeito aos outros. Isso ajuda até a nos compreender a nós mesmos.

E este ponto é extremamente interessante, se nos consideramos como o outro de nós mesmos - nosso próprio alter ego. Se pudéssemos nos enxergar dessa forma, talvez pudéssemos dialogar conosco mesmos e nos dizer o que, em situação semelhante, diríamos a outro. Isso me leva a crer que seria muito bom desenvolvermos a capacidade de nos pôr em nosso lugar mesmo. Talvez pudéssemos ser mais ponderados nos autojulgamentos que infligimos a nós mesmos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Sob a luz dos holofotes



Lembro com saudades da primeira apresentação de dança que vi onde trabalho. Era de criancinhas. À época, meninas de quarta e quinta séries (ainda se chamavam assim as séries). 10 ou 11 anos em espetáculo de fim de ano. Aquela apresentação me comoveu tanto, que publiquei um texto no jornal da escola, para o qual dei o título de "O que os olhos veem o coração sente". Não o tenho mais, mas guardo a sensação que tive ao escrevê-lo há 18 anos.

Depois vieram as apresentações das minhas próprias filhas, nas quais eu e outros tantos pais nos acabávamos de banhar os olhos em lágrimas enquanto segurávamos nossas câmeras filmadoras com mãos trêmulas. E, como se não bastasse assistirmos à filmagem feita por nós, ainda comprávamos a filmagem oficial, mais as fotos e demais lembranças. Na verdade, comprávamos registros de momentos especiais.

Especiais como os de hoje, ao menos em duas ocasiões. Pela manhã, tive a feliz oportunidade de ministrar oficina de música, ao lado de um professor muito amigo e competente. Conseguimos, em hora e meia, levar os alunos à compreensão do que é uma canção e de como podemos compor. Não só isso, mas também a executar a composição. Sim, compusemos e cantamos uma linda canção.

À noite, tive o privilégio de assistir a uma apresentação de teatro na qual dois alunos meus atuam. Não têm os mesmos 10 ou 11 anos que tinham as crianças a que me referi no início. Têm seus 13 e já fazem bonito sobre o palco. A timidez e as dificuldades mostradas durante a aula que fazem comigo no escritório, desapareceram sob a luz dos holofotes, atrás das cortinas e sobre o barulho dos aplausos que ovacionavam o sucesso da apresentação. O que os olhos veem o coração continua sentindo.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Entre o dar e o receber




Qualquer pessoa minimamente formada em valores religiosos, especialmente os cristãos, sabe que um dos principais ensinamentos dizem respeito ao fato de que é melhor dar do que receber. E é assim a vida de muita gente. Alguns, por razões variadas, só se preocupam em receber. Outros, por sua vez, têm um coração tão grande (?), que se comprazem em dar, em doar de si. Outros há, por fim, conseguem equilibrar o que dão e o que recebem.

O espírito cristão, infundido em muitos há milênios leva o homem a olhar para si e para o outro, amando-o da mesma maneira com que ama a si mesmo. Dessa forma, a despeito do que está registrado na Bíblia como palavras de Jesus Cristo, alguém educado nessas bases, muitas vezes é levado a se diminuir, primeiro, perante o próprio Deus de sua crença e, segundo, perante os demais com quem ele convive. Dessa forma, dificilmente se coloca em primeiro plano.

Outros, que já são fruto de um mundo em que o hedonismo direciona as escolhas, o modo de pensar e o modo de agir (e reagir) procuram fazer apenas aquilo que lhes dá prazer, aquilo que lhe agradar. Dessa forma, ajudar o outro não está entre suas primeiras atitudes tomadas por esse tipo de gente, não é, efetivamente formado para a valorização do próximo, não é capacitado para perceber a necessidade do outro - razão pela qual sempre espera que sua necessidade seja vista.

De fato, receber dos outros o cuidado, a atenção, as boas ações, a lembrança, o carinho... tudo isso é uma oportunidade imensa de ser alvo da solidariedade do próximo. De igual modo, poder dar a alguém o que lhe é merecida, ou (ainda que seja)  o necessária, não tem valor monetário e muito menos emocional. Claro que ambos estão envolvidos. Às vezes, um será mais solidário que o outro. Depois, vice-versa. O jeito é seguir vivendo a cada dia e colhendo os frutos daquilo que se plantou, isto é, recebendo e dando amor, atneção, apoio

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Inteiro e estilhaçado



A vida para muita gente é a clara expressão de uma antítese, que congrega em si uma série de oposições diametralmente opostas. A tristeza habita o mesmo cômodo que a alegria; a morte anuncia o mesmo canto da vida. Mais ou menos como o Humanitismo de Brás Cubas. Mas a vida também é um belo de um oxímoro, de um paradoxo em que se colocam ideias diferentes e aparentemente inconciliáveis. Gosto daquele do sujeito que diz se sentir inteiro nos estilhaços do espelho.

Dia após dia, experimentamos um turbilhão de sensações e sentimentos. Tem ora que ficamos como o encontro do rio com o mar na Amazônia, a plena pororoca. Não é um encontro assim tranquilo, pois há grande violência no choque e uma mistura que se dá à força. Assim também é com a gente que muitas vezes parece estar no ponto de encontro das águas. Ficamos entre a cruz e o punhal das águas, que nos comprimem até que de nós sobrem pedaços de água que vão se integrar o rio. Ou o mar.

Se num dia nos sentimos como funcionários completamente incompetentes, ouvindo o que não merecemos; se um dia nossas ideias são tratadas como se fossem apenas algo inodoro, insosso e insípido; se um dia resolve que tudo dê errado desde a hora em que nos levantamos até a hora em que voltamos para dormir; se um dia nos sentimos igualmente ao inesquecível personagem de "Um dia de fúria", tudo isso merece receber seu oposto, na forma, no conteúdo e na significação. Logo assim no mesmo dia ou no seguinte, experimentamos situações impares de felicidade. Curtas ou longas, não importa.

O que importa mesmo é sentir intensamente a alegria banhando cada gota de vida da gente: como sente alguém que recebe um inesquecível beijo furtivo, como um casal que esperançoso recebe a notícia da gravidez, como pai que vê o primeiro sorriso do filho, como quem é aprovado em difícil teste de seleção... enfim, como quem coleciona mais um intenso diamante de alegria em meio ao terreno baldio das coisas ruins. E assim, garimpando flashes de alegria e dando a eles um enquadre de bela arte, apreciamos a vida acontecer em meio a antíteses e paradoxos (que somos nós mesmos).