Valeu a visita!

Daqui pra frente, divirta-se trocando ideias comigo.
Conheça meu outro blog: http://everblogramatica.blogspot.com.br

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Chaves na porta



Ainda são 17h e já aconteceu por três vezes: deixei a chave para fora da porta hoje e saí. Uma vez em casa, duas vezes no escritório. Sim, claro que estamos todos no final do ano. Hoje é meu último dia de trabalho em 2014 e também último antes de viajar. Um cansaço acumulado pode estar gerando esta desatenção que me impede de completar o gesto de trancar a porta e sair com a chave na mão.

Sim, pode ser o cansaço, sim. Não resta dúvida de que a falta de energia suficiente para um conjunto grande de atividades e responsabilidades faz com que uma ou outra coisa seja deixada para trás. No entanto, quero ir além da visão mecanicista disso e pensar um pouco a partir de um ponto de vista psicológico ou simbólico desse triplo esquecimento da mesma coisa em um espaço de menos de 10 horas.

Se deixei a chave na porta em casa, alguma razão deve haver. Tudo bem que eu estava saindo de lá com dezenas de coisas nas mãos. Era tanta que qualquer movimento em falso derrubaria algo - como aconteceu, aliás. Independentemente disso, a chave deixada na porta pode ser um símbolo de um pedido velado para que alguém entre na minha casa, na minha vida, e queira compartilhar comigo o cotidiano, com tudo que ele tem de bom e de ruim?

E se deixei a chave na porta no escritório, outra razão deve haver. Tudo bem que eu estava a minutos de me dirigir ao banco e, por isso, alguma pressa era necessária. Mas também não quero limitar minha visão a este aspecto. Algo de psico e de símbolo há nesse esquecimento duplo. Será uma representação de um desejo intenso de que o ano que virá traga mais oportunidades para o escritório? Não sei. Minhas portas estão abertas para o que de bom quiser entrar na minha casa e no meu escritório.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Inexorável



Desde muito pequeno as palavras sempre me encantaram. As palavras simples (sim, não, já...), as palavras difíceis (idiossincrasia, consuetudinário), todas sempre exerceram um fascínio sobre mim. Me lembra até o conto do Luiz Fernando Veríssimo, no qual ele discorre justamente sobre o significado de algumas palavras. Uma delas é "defenestrar" (aliás, este é o nome do texto). E é assim, a gente vai flertando com o sentido das palavras até conseguir aquilo que elas podem dizer.

Uma palavra pela qual eu tenho grande afeição é "inexorável", e eu a conheci ouvindo e lendo sermões religiosos. Inexorável é a característica daquilo de que não se pode escapar. Inexorável é algo inelutável, inevitável. O interessante é que, até diante daquilo que é inexorável, nós nos surpreendemos. Assim como um dia chega ao seu fim, sem que possamos alterar o curso deste evento, também a nossa vida chega ao fim, porque isso é inexorável. Taí uma outra forma de dizer que a morte é a única coisa certa nesta vida.

No poema Soneto de Fidelidade", Vinícius de Morais fala de duas realidades tidas como inexoráveis. Uma delas é a própria morte, a que já me referi, outra é a solidão. Suas palavras: "E assim quando mais tarde me procure a morte (fim de quem vive), quem sabe a solidão (fim de quem ama)...". E não é que é mesmo inevitável que um dia a solidão chegue para todo aquele que insiste em colocar sua vida do curso do amor? De igual modo, é inevitável a busca pela felicidade justamente no bom e velho amor.

É inexorável que este ano vai se acabar em breve, muito breve: depois de amanhã, 31, é seu último dia. Independentemente de haver ou não horário de verão, de estarmos no hemisfério sul, independentemente de qualquer coisa, ele acaba amanhã. Assim como ele, outras coisas vão se acabar e outras tantas vão ter seu direito à vida. Resta-nos saber exatamente o quê, para que estejamos preparados para a realização da inexorabilidade das coisas - que sempre nos surpreende.



domingo, 28 de dezembro de 2014

Autocuidado



Realmente não gosto de ficar muito tempo sem escrever aqui no blog, minha última postagem foi na véspera do Natal. De lá pra cá, veio o próprio dia 25, em que se acorda tarde, leva-se o resto do dia para arrumar, lavar, guardar as coisas da Ceia. No tempo que sobra, já noite, o cansaço grande pede sossego. Passei a noite assistindo séries com minhas filhas: Dexter, Teen Wolf e Bórgias. Dia 26 usamos para resolver questões de documentação para viagem. Ontem levei as filhas para passarem o Ano Novo com a mãe. Isso de ficar 3 dias sem publicar aqui já é uma grande mudança.

Mudança é o que vou querer daqui para frente, desde que é claro, sejam para promover o bem, primeiramente meu e depois daqueles que andam comigo. Como sempre citei Bethânia aqui: "e, como sou feliz, quero ver feliz quem andar comigo". É neste caminho que quero andar, fazendo uma mudança substancial, aplicando conhecimento simples, que existe há pelo menos 2000 anos e que vemos a cada viagem, de avião, por exemplo.

Amar ao próximo como se ama a si mesmo. Pode parecer, em primeira instância, um ensinamento que teve origem em Jesus. Sim, foi passado por ele também, mas antes outros, como Confúcio, já disseminavam essa ideia. Ela se repete momentos antes de nossas viagens aéreas, quando os comissários e comissárias nos orientam a colocar as máscaras de oxigênio primeiro em nós, e depois nas crianças. Sim, claro. Estando bem, nós temos melhores condições de cuidar delas, que depois também poderão cuidar de nós.

Engraçado é que minha formação cristã não me leva a essa prática (nunca me permiti o destaque, as glórias... "Cristo sempre em primeiro), e se numa viagem de avião acontecer um problema (e será o último...) dificilmente vou me privilegiar em detrimento de uma criança. Pois bem, mudança de sentido: o ano acaba daqui a 3 dias e algumas horas. Acabará também a pista que tem me levado a local como o que estou agora. Vou mudar o sentido e passar a tomar decisões me tenham como foco. Não estou falando de egoísmo nem de egocentrismo, mas de autocuidado.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A enxurrada e o conta-gotas




Osmar Santos sempre foi um personagem bastante ativo no meu imaginário. Isso porque eu adorava ouvir sua locução dos jogos de futebol. Quem não se lembra de seus famosos bordões, como "ripa na chulipa e pimba na gorduchinha!". Essa presença dele quase exclusivamente em meu imaginário se dá porque era apenas à sua voz que eu tinha acesso àquela época, de menino que pegava cada vez mais gosto por esse esporte.

Ontem li uma reportagem acerca de Osmar Santos, a qual trata de sua incrível capacidade criativa, que se vê limitada por sua incapacidade de falar. Devido a um acidente de automóvel, ele perdeu massa encefálica e, por conta disso, sofre as consequências até hoje. E as sofrerá para sempre. O título da reportagem era: "Osmar Santos pensa em exurrada, mas fala a conta-gotas". Achei o máximo a figura de linguagem utilizada pelo autor: a oposição entre enxurrada e conta-gotas.

Mas ficou aí a minha admiração, primeiro, porque se trata de um personagem por quem tenho a maior consideração desde meus tempos de criança. Segundo, porque é lastimável ver-se tolhido da capacidade da fala (e de outros mecanismos de comunicação). Isso se agrava, na medida em que se trata de uma pessoa de altíssimo poder criativo e de elevadíssima capacidade vocal, articulatória e retórica. Há que se lembrar que ele foi figura importante na campanha das Diretas Já (1985).

Fiquei ontem e hoje pensando, remoendo uma ideia que só pode ser mostrada em seu rótulo. Como a música de Lulu Santos: "uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer". Ou como o poema de Drummond: "passei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever". Há ideias dentro de cada um de nós que estão limitadas por um ou outro motivo, ideias que vêm em enxurradas, mas que, por forças também interiores, só se exteriorizam a conta-gotas.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Velhos



Há coisas na vida que não envelhecem. Ou que, como tudo, envelhecem, mas não perdem sua essência. Isso me lembra Eclea Bosi em seu livro "Memórias de velhos". Há tanta coisa que envelhece e não fica ruim, como vinho, como paisagem, como sabedoria, como tantas outras coisas que nos acompanham pela vida toda e a cada dia parecem renovadas. Às vezes são coisas boas, às vezes não.

Algumas cenas do dia de hoje me levaram a esta reflexão sobre o envelhecimento das coisas, das ideias, das pessoas e de suas práticas. A primeira delas ocorreu por duas vezes,: quando saí do escritório para ir almoçar e quando voltei do almoço. Na calçada havia um papelão, desses que envolvem televisão nova, ou máquina, ou geladeira. Mas que, naquela situação, apenas servia de colchão para um senhor que dorme ali. Um velho. Era apenas um pedaço de papelão o que eu via estendido no chão, mas minha interpretação era de que se tratava de uma cama. Da cama de um velho que dormia exatamente ali. Não pisei. Passei ao lado, sem lençóis, travesseiros...

Enquanto voltava para o escritório, ou vi passos lentamente apressados atrás de mim, na tarde meio ensolarada, meio chuvosa que fez hoje. Era de duas senhoras dando sinal para que um ônibus parasse para conduzi-las. Uma estava bem à frente da outra e sinalizava com mais veemência. A outra, já sabedora do que ia acontecer, corria apenas para dizer que correu. Dito e feito: o motorista não parou para que elas subissem um pouco fora do ponto de ônibus. A da frente, reclamou da de trás. Que já havia se conformado, desde antes de o motorista do ônibus ignorar a condição delas.

Já no elevador do prédio para o 9º andar, onde fica a minha sala, subíamos eu e um velhinho. Sério, a princípio. Assim que um casal de jovens apareceu ao abrir da porta e perguntou se o elevador estava subindo, o velhinho olhou para mim e, depois que o casal resolveu sair para poder pegar o elevador descendo, o senhor não teve dúvidas e me disse: ora, se está subindo: Se estivesse subindo, eles não estaria aqui nos perguntando...". Demorei, mas entendi a piada do velhinho, que me olhava com cara de quem esperava o riso por aquilo que disse. É assim: há velhos bem-humorados (assim como há velhos ignorados e abandonados).

domingo, 21 de dezembro de 2014

Asas de borboleta







Borboletas voam.
Inclusive as que estavam na imagem que abre este texto. Elas estão por aí, batendo em algo, batendo em alguém. Lembro bem de quando lever minhas filhas ao Parque das Aves, em Foz do Iguaçu. Lá dentro tem um borboletário onde se pode ver os mais variados tipos desta beleza natural,  de cores,  formas e tamanhos variados. Uma beleza ímpar e de existência tão fugaz.

Não há duvida alguma de que o que mais encanta nas borboletas é a graça de suas asas de desenhos sutis e perfeitamente ajustados à composição daquela específica asa. Sua leveza também.  Ainda me emociona lembrar de como ensinei minhas filhas a se aproximar e induzir a borboleta a subir na mão delas. Ela fica ali um tempo e depois vai procurar novas paragens.

Assim elas batem dentro da gente, quando uma mão amiga se aproxima e se oferece como paragem de descanso,  de sossego, com a simples finalidade de sentir o prazer de tê-las tão perto. De tocá-las e de se sentir um só ser com elas, como se pudesse ali haver não dois, mas apenas um ser. Como se aquele momento viesse a se tornar a síntese da existência dos dois. Se pensarmos aquele encontro como único, singular e que nunca mais vai se dar, teremos a certeza de sua efemeridade.

Por isso borboletas vivem batendo asas mundo afora. Por isso borboletas batem asas mundo adentro, dentro da gente. Talvez queiram nos levar com elas a novas paragens, nos levar a mãos amigas, a asas de anjos, a asas de águia. Talvez queiram apenas nos brindar com um instante breve e rápido como o bater de suas asas.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O mais profundo da gente



Acabo de ler uma notícia que me deixou impressionado. No ano passado publiquei texto no blog sobre descobertas científicas acerca do espaço sideral. Falei sobre luz, astros, asteroides, planetas, movimentos e outras coisas. Hoje, meu espanto para para  uma notícia que vem não do alto, mas de baixo. Bem de baixo. Do fundo do fundo do fundo do oceano pacífico. Pesquisadores encontraram formas de vida (peixes, crustáceos etc.) há mais de 8km para baixo do mar, nas chamadas Fossa Mariana.

Uma rápida leitura pode ser vista no seguinte link: (http://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/bbc/2014/12/19/pesquisadores-registram-imagens-de-peixe-em-habitat-mais-profundo-ja-visto.htm). Ali se tem informação sobre a pesquisa e sobre espécies encontradas no mais profundo dos habitates conhecidos pelo homem. E, imagino eu, deve haver mais. Deve haver muito mais coisas que não conhecemos, justamente porque não conhecemos tudo que há. Nem para cima. Nem para baixo.

Nem para dentro. Por certo, se pudéssemos olhar para dentro de nós, para um ponto em que a olho nu não conseguiríamos sequer imaginar que existe, talvez pudéssemos encontrar viventes que de alguma forma influenciam aquilo que somos, o como somos, o porquê de sermos e assim por diante. Nem Freud nem Lacan, nem Marcuse nem Jung nem ninguém jamais terá visto o que há de mais profundo daquilo que cada ser humano é verdadeiramente.

De igual modo, assim como certa vez publiquei aqui um texto acerca de uma descoberta dos cientistas sobre uma minúscula parte de nosso joelho, também deve haver material e fisicamente coisas de nós mesmos que desconhecemos por completo. E assim vamos, como diria Milton Nascimento parafraseado: nós, caçadores de nós. Para cima e para baixo no nosso planeta, para fora e para dentro de nós mesmos, fazendo descobertas.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Momentos únicos de decisão




Sempre me marcou muito um verso que é atribuído a Jorge Luis Borges, no poema intitulado Instantes: "porque a vida, se não sabem, é feita só de momentos: não os desperdicem agora". Certamente não são essas exatas palavras, mas a ideia é a mesma. E o que me interessa aqui é a importância dos momentos. Entre os muitos momentos que vivemos, há aqueles que podem se alongar, aqueles que qualquer atitude pode ser revista, porque não interfere negativamente nas demais.

Há, no entanto, momentos que são absolutamente decisivos; aqueles em que as atitudes são a chave que abre a porta do progresso do avanço, ou que conduzem apenas até a porta porta. Simples porta que não abre, que impede passagens e alargamento de horizontes, limitação de visão, tolhimento. Dizer o "sim" ou o "não para uma relação proposta. Optar pelo "sim" ou pelo "não" diante da alternativa de dar prosseguimento a uma gestação. Pedir ou não o desligamento da empresa. Esses e outros muitos outros em que se vê a importância de um momento decisivo individual.

Do ponto de vista coletivo, por exemplo, de um trabalho em equipe, existem momentos em que a atitude de um, de apenas um, compromete o trabalho de uma equipe inteira. Compromete todas as ações realizadas durante uma temporada inteira. Penso agora em um jogador de futebol que está incumbido de fazer a cobrança de um pênalti, daqueles posteriores não só ao jogo de 90 minutos, mas também depois da prorrogação de 30. E, de repente, ele se vê diante de uma situação na qual seu chute pode colocar a equipe campeã ou torná-la derrotada em um embate exaustivo.

Pessoas que individualmente, por meio de uma simples palavra (sim ou não) dão uma guinada enorme em sua vida em razão de uma atitude tomada diante de uma proposta maniqueísta (vou, não vou; fico/não fico; compro/não compro...). Outras pessoas que alteram o curso da vida de uma equipe toda - famílias inteiras, colegas de trabalho, companheiros de time...) são gente que tem uma porta diante de si e, na mão, duas chaves. Uma delas abre a porta. E a escolha de apenas uma das chaves. Saber se seria melhor manter a porta fechada ou abri-la é questão de decisão.


segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A voz e o conhecimento




Tudo que está na gente, de alguma forma a gente pode dar ou omitir. É assim com nossos órgãos para doação: chega um tempo em que, forçosamente ou não, decidimos que parte nossa possa ir viver em outro corpo e, se houvermos autorizado, nossos órgãos podem ser doados todos a quem precisar deles. Mas não é assim apenas com os órgãos. É também com a administração do nosso tempo, da nossa atenção; com a administração do conhecimento que temos.

Em relação a este último, o conhecimento, há certas pessoas - nos mais diversos âmbitos - que insistem em reter consigo um e/ou outro conhecimento. Agem assim provavelmente para garantir um espaço seu em certa posição de exercício do poder. Missas em Latim, Letras horrorosas de médicos - entre outros - são exemplo de como o conhecimento pode ser velado de muitos. Ou, o que é pior, como o conhecimento pode ser disfarçado pelo efeito de transparência.

Crises financeiras explodem mundo afora e arruínam a vida de muitos. Para elas sempre haverá uma explicação supostamente convincente, capaz de fazer crer até o mais incrédulo dos homens, o mais cético de todos. Empresas falem, salários são achatados, mortes são impingidas... e tudo isso explicado pela lógica do absurdo ou simplesmente pelo imponderável ou pelas forças do destino ou ainda pelos desígnios supremos.

Desde que os sofistas apareceram para fazer um contraponto com o tipo de raciocínio silogístico dos retóricos, estabeleceu-se aos poucos a equivalência entre o lógico e o verdadeiro, independentemente de se partir de uma premissa verdadeira ou falsa. De modo que basta parecer lógico para ser verdadeiro. E dessa forma são justificadas crises econômicas, perdas sociais, posições pessoais, relações interpessoais - nas quais, perde sempre aquele que tem menos voz e/ou conhecimento.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Surpresa no vão momento



Não tenho a menor dúvida de que muito do prazer que esta vida nos oferece está no acontecimento de coisas imprevisíveis. É lógico que conquistar aquilo que planejamos e para o que nos preparamos seriamente é um tanto agradável e também compõe esta parte mágica da vida, que nos dá a sensação de que ela merece ser vivida "em cada vão momento", como diria Vinícius. Mas as boas surpresas... essas são mais intensas.

Foi um dia de surpresas hoje logo pela manhã, quando me dirigi à prova de 5km em que corri. E a primeira das surpresas foi que acordei um pouco preocupado, a ponto de titubear entre ir ou não ir correr. Isso porque em nenhum dia da semana eu consegui treinar, de tão envolvido que eu estava com o fechamento das coisas na escola e com a formatura da minha filha. Não achei que fosse conseguir dar conta de fazer todo o percurso. Não foi fácil, mas me surpreendi não só ao chegar até o final, sem parar, mas principalmente por fazer a prova em menos de 30 minutos (fiz em 0:29:45).

Se fosse apenas o final da prova a me reservar surpresa já estaria bom. Mas o meio dela também me reservou algumas. Primeiro, é sempre agradável ver que corrida não tem idade: pessoas muito novas e pessoas idosas participam. Corrida não tem limitação: além de deficientes visuais, pessoas sem braço, sem mão... pessoas cadeirantes entre tantas outras estão lá demonstrando que correr faz bem não só para o corpo, mas, sobretudo, para a alma.

Minha surpresa maior foi quando ao meu lado esquerdo, no meio da prova, passaram por mim um par de rodas; e sobre ele um carrinho de bebê. Vi suas perninhas passarem, depois o corpinho e, logo após. um pedacinho de seu rosto, já coberto pela estrutura que lhe fazia sombra. Era um bebê que fazia companhia para a mãe que o empurrava, enquanto corria. Fiquei impressionado, e aquele que parecia ser um "vão momento" da corrida tornou-se um dos mais significativos.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Texto mudo


Tem gente que se sente tão só
Mesmo acompanhada de alguém
Como corda que só tem um nó
Com laço que não sabe que tem (também)

Na vida o importante é gostar
Dar gosto para tudo que há
Para o insosso que vai se transformar
E pro salgado que vai encher o mar

Eu juro que em agosto
Eu me lembro: ou nada ou tudo
O vento das palavras
É membro do absurdo
Do tempo em que falavas
O que agora ficou mudo



sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Virando páginas



Era dia 11 de dezembro. 2014.
Eu era mais um ali, apenas mais um no meio de uma verdadeira multidão de pais, familiares em geral, amigos que tinham ido prestigiar a colação de grau da 3ª série do Ensino Médio. Todos com um sentimento de orgulho, de alegria, de corresponsabilidade por, de alguma forma, direta e ou indiretamente, ter ajudado o processo que levou aqueles quase 300 formandos a estarem ali. Entre eles, Isa, minha filha - que eu sei ter superado muitos obstáculos para vencer esta etapa da vida.

Lembro dela pequenininha, sempre, olhos sempre vivos e grandes captando tudo à sua volta. Sorriso suave, singelo, sincero sorriso de menina forte e frágil, feliz e festiva como sempre foi. Acolhedora e atenciosa com todo mundo, de abraço e beijo sempre prontos para enfeitar seu modo de ser neste mundo, apesar de muitos pesares que a vida própria se incumbiu carimbar nos documentos da sua existência e cujas páginas ela soube virar e continuar escrevendo seu cotidiano vencedor.

Virar páginas ao ler ou ao escrever é um dom que ela tem, derivado em grande parte da sensibilidade aguçada e do modo especial como lida com a linguagem em suas múltiplas faces. A outra parte vem do talento natural que ela tem para as artes: quem já teve o presente divino de vê-la representar no teatro ou de vê-la tocar um instrumento (e não são poucos) ou ainda de cantar, fazendo ecoar sua voz tão bonita... quem teve qualquer dessas dádivas sabe que ali naquele corpo lindo e grande bate um coração gentil e amante de tudo o que é bom e que é capaz de promover a vida.

Era essa menina que eu via se formar ontem. Vibrante na sua entrada triunfal, concentrada e comovida a cada instante da cerimônia, absolutamente realizada ao receber o merecido diploma, orgulhosa de si mesma por ter conseguido aquele prêmio por sua trajetória. Sim, era minha filha ali, de frente para uma plateia que bebia cada segundo da cerimônia. No meio desta plateia estava eu, que sempre estarei de pé para aplaudir suas conquistas e para apoiá-la nos caminhos que ela escolher. 

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Paixão nova e o nosso melhor

,


A gente que já está chegando à casa dos 50 vai perdendo a capacidade de se surpreender e de participara do que os antigos filósofos chamavam de "estranhamento", perdendo justamente o encantamento que as coisas, fatos ou pessoas podem propiciar. Não que deixemos de ter, porque "o novo sempre vem ", como cantava Belchior. Mas é fato, é em menor número que isso acontece.

Um esporte antigo que sempre despertou nossa paixão, de homens viris e ocupados de coisas dessa natureza, sempre foi o futebol. De modo que, excetuado o tempo de estudo, quando jovens, nos dedicávamos a jogar, jogar e jogar - em times mesmo, em duplas, trios...fosse quanto fosse. Como se não bastasse, assistíamos futebol "ao vivo" e os programas de mesa-redonda à noite. Só que progressivamente, por opção ou por forçosa escolha (de saúde, por exemplo), vamos deixando o futebol e assumindo outra prática esportiva, como a natação ou a corrida.

Corremos pouco. Andamos muito. Corremos um pouco. Andamos pouco. Corremos muito. Corremos. Pelo prazer de correr, por aqueles minutos de concentração na musculatura, na respiração, nas passadas firmes e no controle do tempo. Corremos e descansamos. E enquanto descansamos, lançamos mão de um instrumento para preencher a energia criadora que brota nesta hora. E, aos poucos, migramos de um predominante violão, para um sonoro contrabaixo, e deste para um pequeno, singelo e absolutamente melódico ukulelê - uma guitarra havaiana.

Paixãozinha nova por este instrumento, sentimento que vai crescendo em tamanho desproporcional ao dele. E assim vamos vivendo de paixão em paixão. E de um ukulelê acústico para um elétrico. E deste para um elétrico Les Paul (aí é bem top), pelo simples prazer de tocar com amigos ou mesmo sozinho em casa. E assim, vamos de paixão em paixão, vivendo o que cada uma tem para nos oferecer, bem como  o quanto de nós existe para se mostrar por meio dele. Talvez seja para isso que a paixão existe: para que possamos mostrar o que há de melhor em nós.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A ponta da faca e a mão




Há expressões que são bem batidas. Tão batidas que perdem sua força comunicativa no momento em que são utilizadas. Outras continuam batendo forte na gente. E as expressões idiomáticas ou os provérbios têm essa força de se fazerem presentes na nossa cabeça a fim de produzirem um sentido mais poderoso do que as palavras triviais o fariam.

A expressão "murro em ponta de faca" é uma dessas fortes maneiras de expressar uma situação em que alguém continua agindo de modo a se ferir, sem se importar com o ferimento que advém de seu gesto. Seja por inconsciência, seja por uma consciência que admite posturas estranhas, há pessoas que constantemente tomam medidas que são inegavelmente negativas para ela, tão negativas, que ferem repetidas vezes ad aeternum, como se fossem naturais o murro e o ferimento.

Um conhecido poeta diria: "eu quero é que este canto torto, feito faca, corte a carne de vocês". Outro igualmente conhecido poeta diria que "palavras são como estrelas, flores ou facas". Poderia descarrilar aqui um vagão de citações para dizer que palavras têm o incrível poder de produzir a vida e o temível poder de tirá-la. Muitos há que escolhem a perda progressiva da vida em palavras que lhes cortam como facas (como diria um poeta) ou que lhes corte a carne (como diria outro).

Não cabe a nenhum de nós o ato de julgar a atitude de quem tende a tomar decisões que resultem em ferimento próprio, porque aquele que age desta forma, de algum modo, encontra um abscôndito prazer em passar por tais situações. Mas, se estiver ao nosso alcance baixar a faca que aponta contra a mão que esmurra, ou reter num abraço a mão que se lança contra a ponta da faca, estaremos nos opondo mais do que a um simples ditado popular.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Cultura do pelo menos




Há muito tempo um amigo fez um comentário no meio de uma conversa comprida que tínhamos sobre diversos assuntos, principalmente sobre um dos aspectos do que representa viver em São Paulo. Depois de abordarmos problemas como trânsito e violência, ele me saiu com esta: "é. Parece que a gente está se acostumando à cultura do 'pelo menos'. Não só a cidade continua com os problemas e os tem aumentado, como também nós parecemos mergulhar na cultura do pelo menos.

Palmeirenses hoje viveram um drama daqueles típicos de final de campeonato, que deixam o torcedor sem unhas, completamente esgotado em suas emoções e um tanto desidratado de tanto chorar, rouco de tanto gritar. Teve até um palmeirense que infartou na arquibancada. Mas no fim, apesar de descontentes com o rendimento geral do time no campeonato, admitem, aliviados que "pelo menos" o time não caiu para a segunda divisão. Pelo menos isso.

Vemos a cada dia um número crescente de atos violentos na cidade. Não só violência física, que vai se tornando banalizada e virando coisa tão comum, que já somos indiferentes; mas também a violência psicológica que esmaga o espírito de muitos silenciosamente. Em vez de reagir, começamos a agir como Poliana e a dizer que "pelo menos" continuamos vivos; "pelo menos" temos nossos empregos e grupos (em que sofremos o que quer que soframos). Pelo menos isso.

E de pelo menos em pelo menos, vamos alargando nossos horizontes de tolerância, como naquele poema de Brecht, cujos primeiros versos dizem: "Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim". Tomara que possamos ter força suficiente para evitar que o menos do "pelo menos" não chegue a um nível irrecuperável, irreversível, a ponto de chegarmos ao absurdo de dizer que "pelo menos" tivemos algo um dia.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Comparar-se com outro




Parece não haver jeito mesmo: comparamo-nos sempre com os outros. Em tese, esta é uma prática que tem tudo para ser salutar, na medida em que só somos nós mesmos na medida em que nos relacionamos com outros, que por sua vez só são a si próprios na medida em que interagem conosco. O outro pode ser sempre um parâmetro de algo ou de um modo que podemos ou queremos ser e - para ser sincero - muitas vezes, um parâmetro para o que não podemos e não queremos ser.

Alter-egos que se relacionam constantemente, quer de modo direto, quer de modo indireto, precisam estar atentos ao fato de que o outro é um outro, apenas um outro. Não melhor nem pior, apenas o outro. O que faz alguém melhor ou pior não é necessariamente o outro, mas o julgamento que se faz dele, segundo critérios quase nunca objetivos ou nunca desprovidos de um olhar pessoal, limitado pelas imposições de ordem psicossociológica.

Comparar coisas é algo que me parece diferente e que também requer olhar mais cuidadoso. Sim, um tênis pode ser melhor que outro tênis. Um carro pode ser melhor que outro carro. Desde que as coisas fiquem comparadas entre si mesmas, vejo com naturalidade. Mas quando se ouve dizer: MEU tênis é melhor que o DELE. ou MEU carro é melhor que o DELE, já me parece mais problemático, porque não é o tênis nem é o carro que está em comparação. É, sim, o tênis ou o carro na relação com o outro. Nesses termos me parece que o melhor ou o pior não é necessariamente o objeto.

Mais: melhor e pior só podem ser assim considerados dependendo (e muito) do ponto de vista. Para uma família modesta, dona de poucos recursos financeiros, que quer comemorar algo com champagne, a Moet Chandon não será a melhor. Para um diabético, um senhor bolo de repleto de ingredientes deliciosos e ultracalóricos não será o melhor. As comparações são facas de dois gumes, que cortam bolos, rolhas de champagne, tênis e carros - com um punhado de palavras.


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Talentos revelados




Como viram, fiquei dois dias sem escrever aqui no blog. Uma pena, porque eu sinto muito quando isso acontece. E só acontece quando não tenho mesmo escolha. Hoje, ainda estou com os dedos doendo, e digitar me incomoda um pouco neste momento. Mas é por uma boa causa. Tanto na segunda à noite quanto na terça, tive o tempo todo ocupado na companhia de pessoas muito talentosas musicalmente, que só contribuíram para o grande evento que realizamos hoje.

Uma banda formada, assim, ad hoc, quer dizer, para uma circunstância específica. Três professores e quatro alunos. Depois de definirmos o repertório, todos se comprometeram a chegar com as músicas devidamente "tiradas" nos respectivos instrumentos para a poucas horas de ensaio no estúdio de que dispúnhamos. Tivemos apenas 5 horas... que logo se transformaram em uma hora a menos, graças ao temporal que alagou São Paulo.

Há muito tempo eu não via meninos tão responsavelmente envolvidos com um projeto de grande monta como foi o Sarau 2014. Sob a orientação nossa, os quatro deram o melhor de si, e o resultado não poderia ter sido outro: a revelação de talentos raramente vistos, mesmo por aqueles com quem o convívio já era de longa data. Músicas difíceis de tocar e de cantar. Ainda mais diante dos próprios colegas de sala de aula e de série.

É assim, como diamantes brutos escondidos sob a terra do cotidiano, que vêm à tona esses meninos provar para todos nós que podemos contar com eles muito mais do que imaginaríamos poder. É justamente aí que despontam suas habilidades pessoais e artísticas, na medida em que lidam com as cobranças e os enquadres adultos, e na medida em que têm a oportunidade de expor o que têm de melhor - a capacidade de fazer bem ao outro, também por meio da música.

domingo, 30 de novembro de 2014

Frustração alheia




A compaixão é um sentimento nobre que deveria integrar o espírito de cada ser humano e, além disso, ter vazão sempre que necessário. Leigo, sempre entendi a compaixão como dó. Não é. Compaixão é a capacidade de uma pessoa solidarizar-se com a dor de outra, de estar com ela numa mesma vibração, acompanhá-la numa mesma página (cum pagna = acompanha). Enfim, é sentir a dor do outro. Uma das extensões desse sentimento me chama a atenção hoje: o fato de algumas pessoas, comovendo-se, atrair para si a culpa pelo insucesso que determinou o sofrimento alheio.

Penso em treinadores, por exemplo, que planejam todos os treinamentos da semana e os executa, jogada a jogada; investe tempo em cada jogador responsável por colocar em prática toda a tática de jogo, responsável por fazer acontecer no campo todas as estratégias acordadas durante a semana, com a finalidade de se vencer uma partida. E ocorre de um e/ou outro não fazer sua parte com a devida eficiência e, por isso, provocar a derrota de sua equipe. Um treinador, condoendo-se, poderia muito bem assumir para si a responsabilidade pelo erro do atleta, pensando que não o treinou direito.

Em situação semelhante, enxergo também professores que se dedicaram o ano todo a ensinar da forma mais clara e eficaz possível a matéria que seria necessária ao seu aluno, a fim de que ele obtivesse resultado favorável ao final do ano escolar, ou mesmo (como é o caso de hoje) ao final de um exame vestibular, como a Fuvest. Mas muitas vezes acabam ocorrendo falhar por distração ou por não preparo físico e emocional para as avaliações decisivas. Diante do insucesso de um e/ou de outro, um professor, triste, pode acabar achando que não preparou seus alunos com a eficácia necessária.

No mesmo tipo de culpabilidade estão muitos pais que se veem diante de frustrações de seus filhos que, a despeito de toda a educação e de todas as orientações recebidas de seus pais, acabam se envolvendo com ilícitos e, por isso mesmo, expostos a situações de riso e flagrantes indicadores de má conduta. Muitos pais, frente ao sentimento de humilhação do filho, podem ficar se perguntando sobre onde erraram, oque poderiam ter feito para que aquilo não acontecesse etc. etc. etc.  Não, isso não é o que deve acompanhar a compaixão. Não é assumir a frustração alheia.

sábado, 29 de novembro de 2014

Do tempo



Este, sim, o tempo - ele pode dizer que é soberano sobre todos nós. Pessoas que têm vida normal, isto é, cujo comportamento é semelhante ao da maioria, não têm muita alternativa a não ser conformar-se às limitações que o tempo impõe. E é bem esta a palavra: impõe. Tomo sempre emprestado de Oswaldo Montenegro o verso segundo o qual "o tempo não pede permissão para passar".

A gente mesmo vai ajustando a vida em função dele, do tempo. Primeiro, que o tempo de vida que temos determina o grau de dependência que apresentamos aos outros - que acabam cuidando de nós, quando somos crianças. Isso tende a diminuir na adolescência, quando passamos a assumir algumas responsabilidades, e vai tomando cara nova - uma cara que tem todo jeitão de independência, mas que, na verdade, é só uma nova cara, porque passamos a depender de outras coisas e pessoas, que vão dispor de mais de menos tempo para nós.

A medição do tempo, que entendemos como de absoluta precisão - a julgar pela regularidade do Big Bang, por exemplo - é algo que nos oprime ao mesmo tempo em que nos motiva. Curioso pensar o que é 1 segundo para quem está curtindo uma manhã ensolarada na praia... e 1 segundo para um atleta corredor de Fórmula1... e para alguém que tem o infortúnio de estar em meio à queimadura ou afogamento. Apesar de sua precisão matemática, o tempo não é preciso. Mas é preciso tempo.

A medição do tempo é uma coisa. O tempo é outra. Ele passa por nós e deixa sua marca independentemente dos tic-tacs que ouvimos dos relógios analógicos ou dos números se alternando freneticamente nos visores de relógios digitais. Ele deixa marcas na nossa história pessoal, estudantil, profissional, interpessoal. Ele deixa sua marca em nós. E, como se não fosse suficiente todo esse poderio, ele também faz cessar o tempo de nossos órgãos vitais - razão pela qual, é preciso estarmos atentos, porque não é só ele que passa. 


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Sem ver




Hoje tentei fazer um exercício de pensamento a partir de uma notícia que recebi. Imediatamente me lembrei dos versos de Paulinho Moska: "me diz o que você faria se só te restasse esse dia". Só que parafraseei e pensei algo relacionado à notícia recebida. Fui informado de que uma pessoa querida da família havia perdido a visão. Está entre os 65 e 70 anos, por isso já viveu bastante e já viu muita coisa, muita cor, muitas formas. Mas e agora? Logo perguntei para mim mesmo: o que eu faria se perdesse a visão?

Logo, assim de repente, talvez menos que de repente, subitamente. Sim, subitamente pensei nas minhas filhas. Hoje, pensando e podendo ver tudo que está ao meu redor, eu acredito que não seria capaz de suportar viver sem poder olhar para elas e apreciar sua beleza, seu sorriso, a roupa que vestem, as expressões faciais, seu caminhar, seus gestos... não suportaria viver sem olhar o olhar delas. O olhar pelo qual me veem e pelo qual as vejo. Acho que minha vida iria se escurecendo como teriam se escurecido todas as imagens mortas em minha visão.

Pensei no que eu faria se me tornasse cego - ou deficiente visual, como deveria dizer de um modo politicamente correto. Fiquei envergonhado por não saber responder a essa pergunta. Não achei em minha memória um ofício que eu pudesse exercer nessa condição. Disse-me a mim mesmo que procuraria viver escrevendo. Sim, porque felizmente consigo digitar sem depender olhar para o teclado. De mais a mais, tenho um aplicativo que transforma em texto escrito um texto falado.

Vou ficar mais atento ao que posso fazer no caso da perda de algo tão precioso. Devo ser meio maluco, pois esse pensamento já me ocorreu outras vezes - tanto que já me preparei e hoje consigo, por exemplo, escrever com a mão esquerda. Também aprendi a chutar com a perna esquerda. Quer dizer - será que quer dizer mesmo? - que ando me preparando para perdas grandes? Que mal isso! Não quero nem ver onde este pensamento vai dar. Mas peço a Deus que não permita que eu fique incapaz de ver. Não sei o que eu faria.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Homenagear



A vida passa pela gente como um vento passa na beira do mar e agita nossos cabelos, ajusta nossos pelos, traz areia, seca a água e fixa o sal no nosso corpo. Quer dizer, ele passa e sinaliza com vida, alterando aquilo que era, na direção do que há de ser. E enquanto interagimos durante a passagem desse vendaval sereno e perene, fazemos coisas grande e coisas pequenas; coisas para esquecer e coisas para homenagear.

As coisas pequenas do dia a dia adiam um reconhecimento mais efusivo, mas cheio de pódio, um reconhecimento que nem é o mais indicado, mas que de vez em quando, pela multiplicidade de pessoas que veem ou ouvem, torna-se maior, mais visível, mais passível de recordação. Mas não estou certo se é este que permanece. Penso que o reconhecimento que fica é justamente o que faz a diferença pequena, mas eterna, na vida das pessoas.

Dos pequenos reconhecimentos de todo dia, de um simples "obrigado", de um sorriso grato, de um abraço amigo, de um gesto carinhoso... até uma homenagem grandiosa, pública, espalhafatosa e repleta de pompas e circunstâncias, em ambos os casos, o importante não é ser  ou deixar de ser homenageado, mas ter a certeza de que, na disputa em questão, fez-se tudo o que estava ao alcance.

Dessa forma, faz-se necessário que cada um esteja preparado para receber lufadas do vento que insiste em passar por nós, trazendo o reconhecendo pelo que fizemos, fazemos e faremos. E a graça disso tudo não está no troféu, na placa, na faixa ou sema lá onde for. Antes, está graça de estar à beira
do mar sendo tocado pelas ondas de coisas boas que a própria vida nos reserva.