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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Mais do mesmo

"Quais são as palavras que nunca são ditas?", cantava Renato Russo, expressando mais uma de suas frases célebres em versos fortes e absolutamente significativos. Esse cara realmente foi um ícone da minha geração e falou tanto aos jovens quanto aos adultos com a mesma verve que sempre marcou sua obra e sua vida. 

Não há mesmo coisa que nunca tenha sido dita. Penso que podem mudar os contextos, os interlocutores e sei lá mais o quê. Mas, como Bakhtin, creio que o que produzimos de linguagem é apenas uma nova roupagem de tudo que já se disse. É uma espécie de continuação, seja por continuidade e concordância, seja por descontinuidade e discordância.

Sempre tem um insensível, um mal-humorado, um mal amado para dizer, por exemplo, que essa visão da linguagem é necessariamente negativa. Daí, quando ouvem um professor dizer que a gente sempre aprende com os alunos, pessoas assim torcem o nariz e nos chamam de demagogos. O fato é que elas talvez tenham sido invadidas pela serpente que vai tornando cada vez mais insensível seu coração, e mais indiferente sua existência.

Não há como não aprender com os alunos (salvo grande prepotência, arrogância e pedantismo). Como não aprender com os rostos felizes pela aprendizagem. Ou, ainda, com as tristezas perante as dificuldades. Como não crescer com seus conflitos? Como não descortinar os nossos próprios olhos diante das descobertas de mundo que nossos alunos desvelam? Aprende-se ensinando. Ensina-se aprendendo. Ah! isso já deve ter sido dito por alguém...

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Algo menos que nada.

"Esperei por tanto tempo. E esse tempo agora acabou. Demorou, mas fez sentido. Fez sentido que chegou" são versos de Nando Reis acerca da esperança. Esperança que se mostra à míngua por muito tempo para, bem depois, bem depois, inundar de esperança o peito quase descrente.

Duas experiências hoje me fizeram pensar neste tema agora à noite: esperança. Esse poderoso elemento capaz de dar sentido à vida muitas vezes, tantas quantas forem necessárias, passa por momentos nos quais dá sinais de exiguidade, de escasseamento, parece ir à míngua em busca de um pouco de nada para preencher os espaços em que algo menos que nada habita.

Estamos entrando no último trimestre de aula. Daqui a três meses saberei precisamente, dentre os meus alunos, aqueles que se capacitaram suficientemente para ingressar no Ensino Médio. Recebidas as notas das provas de recuperação do período passado, tive já um painel do rendimento dos alunos. Hoje fiz questão de ressaltar aqueles que, até o momento, não ficaram em recuperação de nenhuma matéria. Assim que parabenizei esse grupo, cuidei de tratar dos demais, cuja situação está periclitante. Buscar ânimo e motivação para que tais alunos se sintam motivados a superar suas limitações.

A outra experiência foi relativa a um tempo na vida de uma aluninha de 6ºano, que cansou de ter dificuldades em interpretação de texto. Sua timidez, com certeza, é um sinal deste estágio em que ela se encontra. Mas ao estar no escritório hoje e sentir que vai ser amparada em sua dificuldade, deixou esboçar-se em seu rosto um leve sorriso de esperança que me motivou a querer desenvolver o melhor trabalho possível. É assim: as coisas demoram. Mas chega uma hora em que fazem sentido.

Esperança jovem já vem

"Olhai de que esperanças me mantenho! Vede que perigosas seguranças! Que não temo contrastes nem mudanças. Andando em bravo mar, perdido o lenho". Esses são conhecidos versos de Camões nos quais ele discorre sobre perdas e tem como pano de fundo a esperança. Naturalmente, pelo fato de esse poema integrar sua obra lírica, é claro que o poeta tratará de uma visão bem pessoal do que o Amor lhe parece e do que este pode fazer com ele.

Mas aqui não quero tratar disso, não. Como cantaria Lobão: "Pelo menos esta noite, não". Outro dia. Hoje o que me interessa é saber como a esperança parece uma porção desmedida no coração dos mais jovens. Se, por um lado, alguns parecem ser o próprio poço onde jorra a fonte de toda esperança, outros há que parecem ter em si um imenso terreno seco que, muito raramente, é iludido por oásis.

Há alguns jovens que nos contaminam muito positivamente com a esperança que emana deles. Muitas vezes, desmedida e bastante desproporcional, tendo em vista as aparentes condições de que dispõem. Não importa o tamanho do moinho que se lhes apresenta. Como D. Quixote, partem para cima dos obstáculos com uma gana invejável e tão ousada, que despreza os próprios riscos.

Outros há, porém, que fazem jus àquele axioma, segundo o qual enquanto um otimista vê uma oportunidade em qualquer dificuldade, um pessimista vê uma dificuldade em qualquer oportunidade. São pessoas cujo reservatório de esperança já está tão seco, que passam a se sentir como dizia Camões: "dias há que na alma me tem posto um não sei quê que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei por quê".

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Ao mirante

Noite de Almirante é um dos muitos contos intrigantes de Machado de Assis. Ali, aquele que é considerado o melhor escritor da nossa Língua prova mais uma vez por que é mais do que merecedor de toda essa admiração e todo esse reconhecimento. É bem verdade que cada conto é um conto e encerra um todo em si mesmo. Mas não se pode esquecer que em todos eles, assim como em seus romances, esse gênio das palavras move e re-move a alma humana.

No conto, a ideia de "noite de almirante" é a de uma noite excelentemente bem vivida, ao lado de quem se gosta, fazendo o que se gosta, projetando a durabilidade e a estabilidade de um bom momento. Todavia, o que se vê ali é uma mudança grande de perspectiva; vê-se que os planos são trocados e que a proposta de futuro pode ser reajustada, pode ser remodelada, pode ser alterada para um lado diametralmente oposto. 

O enredo mostra Genoveva tomando uma decisão que altera radicalmente um juramento que fez, invocando a Deus e jogando com a própria vida. Se, por um lado, Deolindo manteve sua promessa até o último momento, por outro, isso não aconteceu com Genoveva. A mudança de planos feita por ela abalou tanto ao, então, amado, que este se viu obrigado a mentir para os amigos, curiosos de saber como foi a noite dele. Disse-lhes que realmente tivera noite de almirante.

De fato, uma decisão é DE-CISÃO. Vê-se claramente ali uma cisão com o futuro traçado. Vê-se ali a fragilidade das promessas, a volatilidade das juras de amor, a eficácia e a força da vontade diante daquilo que realmente se quer. Mostra-se ali que as palavras têm peso diferente para pessoas diferentes. Escancara-se que as palavras têm pesos diferentes para a mesma pessoa em momentos diferentes. Dessa forma, muitas vezes, uma magnífica noite de almirante torna-se uma simples noite ao mirante.

domingo, 25 de agosto de 2013

Jantar cantante

A música intitulada Música para Ouvir, cujos versos são todos iniciados com "música para", traz dezenas de finalidades pelas quais se ouve música. Anteontem e ontem, nas poucas horas livres que me sobraram do dia, me dediquei à música. Afinal, na noite de sexta íamos tocar "música para compor o ambiente" - como diz Arnaldo Antunes no meio dessa música. Isso me fez abrir mão de algumas coisas.


Fiquei dois dias incapacitado de escrever aqui no blog. Em 13 meses, esta é a segunda vez que acontece. Também pudera: na quinta, só pude ter algum tempo depois das 22h. Foi o que precisei para "tirar" uma dúzia de músicas que íamos tocar na sexta-feira. Eis aí as duas razões pelas quais não postei texto na quinta nem na sexta. Foi muito, mas muito, muito legal mesmo.

Tocamos umas músicas meio "lado B" da Legião Urbana. Tocamos Elvis Presley e Chuck Berry. Tocamos REM e The Cure. Tocamos George Harryson e Louis Armstrong. Tocamos Beatles. Foi muito bacana, tanto pela qualidade das músicas que executamos, quanto pelo evento em si. Era viagem de confraternização entre os alunos da série em que trabalho no Colégio. O horário escolhido para que cantássemos foi o do jantar.

Se não foi um jantar dançante, com certeza foi um jantar cantante. Depois do jantar,sim, aí a meninada dançou até dizer 'chega'. Eram quase 2h quando estavam parando. Eram quase 4h quando, de fato, se ouviu silêncio vindo dos quartos. Estar com adolescentes fora do espaço normal de aula é muito bom, porque a gente passa a conhecer faces que o convívio diário da sala de aula omite. E isso vale para os dois lados: não só dos professores para com os alunos, mas também destes com os professores.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Um jeito de estar no mundo

"Preparei uma roda de samba só pra ela, mas, se ela não sambar, isso é problema dela" - cantava há muito, muito tempo, a incrível Dóris Monteiro. Seja na versão da Doris, seja na recente versão do Funk Como Le Gusta, a música é muito gostosa de ouvir, e, mais ainda, de tocar e cantar. Isso porque ela fala de um jeito peculiar de estar no mundo.

Uma das sensações mais gostosas e gratificantes na vida, a meu ver, é a de ser útil. O oposto disso deve ser, imagino, o princípio da depressão, o início do fim, o estacionamento da vida no terreno demarcado da indiferença. Passar os dias sem que se possa colaborar com quem quer que seja, com o que quer que seja, deve ser o gancho para não colaborar consigo próprio. No teatro da vida, de que falava Shakespeare, o sentimento de inutilidade deve ser a deixa para o emudecimento das falas e para o baixar das cortinas.

Por outro lado, perceber-se fazendo diferença positiva na própria vida, na vida de alguém, em algum processo no trabalho, enfim, em qualquer que seja a situação, muito provavelmente seja a mola propulsora da vida de muita gente - como eu. Observar uma situação sendo otimizada por seu intermédio; notar mais saúde chegando ao próprio corpo; receber um sorriso discreto de gratidão é, por sua vez, a manutenção da cortina erguida, é manter ativas e dinâmicas as falas deste espetáculo da vida.

Que não seja esse o motivo para as ações de quem quer que seja que se pretenda útil. Que não seja o interesse mesquinho por alguma recompensa. Que não seja a necessidade doentia de algum "obrigado". Que não seja a esperança vã de que, como uma forma de retribuição, o outro venha a ser benevolente e prestativo sempre. Não a busca de um reconhecimento a todo custo. Mas que seja a simples realização de um modo de estar neste mundo.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A voz da vida

"O céu que toca o chão e o céu que vai no alto deram as mãos, como eu fiz também, só pra poder conhecer o que a voz da vida vem dizer" - isso é lindo demais. São versos de Nando Reis que ficaram imortalizados na voz de Samuel Rosa, da banca mineira Skank, cantando a música Dois Rios.

Duas experiências hoje me fizeram dar as mãos de um pensamento e me ligar novamente a Fernando Nogueira Pessoa. Ia para a escola logo cedo, como sempre. A novidade no caminho - que era sempre tranquilo - é que agora pertence apenas aos ônibus a faixa da direita da principal rua que dá acesso ao colégio.

Dali daquele trânsito que só me fazia pensar que agora eu faço em 25 minutos o trajeto que eu fazia em 5, sim, dali mesmo, lancei meu olhar para fora do trânsito e olhei para o lado. Minha surpresa foi ver um... sei lá: eram quatro rodas com pneus, os eixos... e só. Era apenas a carcaça do que um dia fora um carro. Aquela imagem da escassez me causou estranheza. Depois, graça.

Entretanto, no cair da noite, enquanto voltava da livraria com minha filha, ao olhar o farol para atravessarmos a avenida, fui surpreendido com uma imagem estonteante da Lua. Cheia, amarelecida. Tão perto de nós, que parecia estar estacionada sobre um prédio. Parecia alcançável, de tão cheia, de tão plena, de tão repleta, de tão tudo e de tão toda. Sim, as duas imagens marcantes do dia me fizeram pensar sobre o que "a voz da vida vem dizer".

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Nós e Robinson Crusoé

"E eu não sabia que a minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé". Assim finaliza Drummond um de seus mais conhecidos poemas, intitulado Infância. Ali ele narra um dia de sua vida, no qual ele fala do pai, da mãe, do irmão. Fala do café preto ("café gostoso, café bom") que ele tomava naquele "dia branco de luz", no qual, sentado entre mangueiras, lia a história de Robinson Crusoé. Ao analisar sua vida, acaba concluindo que ela era mais bonita do que a história que estava lendo.

É curioso, e, ao mesmo tempo, triste, o fato de não ser incomum o tanto de vezes em que deixamos de valorizar pequenos ganhos, pequenos avanços e passamos a depositar apenas nos grandiosos feitios o nosso olhar admirado. O nosso "uau..." e todas as interjeições que podemos expressar. Parece que esquecemos que casas são feitas de tijolos. Que tijolos são feitos de argila ou de qualquer outro material, que é ínfimo em relação a eles. Se não olhamos o todo e as partes com a devida justiça, cometemos injustiça contra nós mesmos.

Lembro das orientações sempre presentes de meu professor de contra-baixo, quando nos via desanimados diante de tanta coisa que ainda tinha para aprender. Era uma turma de cinco alunos, para os quais ele não se cansava de lembrar o quanto dominávamos do instrumento e da teoria musical em nossas primeiras aulas, e o quanto dominávamos naquele momento de desânimo. Era uma fala constante que nos fazia respirar novos ares e encher os pulmões para uma nova jornada de aprendizagem.

Hoje, recebi um e-mail de um aluno que atendo há pouquíssimo tempo. Aluno de Ensino Médio, que nunca havia tirado nota acima da média em Português. Segue a transcrição de sua fala: Olá, Ever!  Eu estou bem, e muito feliz também! Tirei 6,1 na prova de gramática, o que não é louvável, mas me traz muita tranquilidade, porque é minha primeira nota acima da média em L.P.! Digo pra mim mesmo que é dessas pequenas coisas que partimos para afirmar o quanto nossa história pode ser mais bonita do que a de Robinson Crusoé.

domingo, 18 de agosto de 2013

Alguém pra se lembrar

"Não tenho muito tempo. Tenho medo de ser um só. Tenho medo de ser só um alguém pra se lembrar", canta Fernandinha Takai, que eu adoro. Já a citei aqui em algumas oportunidades. Sua voz frágil e delicada, suas composições simples e aprofundadas... tantas coisas em que ela faz lembrar a Nara Leão... tudo isso me faz ter muito gosto ao ouvi-la. Tanto no Pato Fu, quanto em seus CDs solo, é sempre muito agradável.

Saía da casa da minha mãe hoje, onde sempre almoço dominicalmente. Depois de tudo, de conversar, almoçar, brincar com meu sobrinho, minha irmã e meu cunhado; depois de ver tios e primos, era preciso voltar pra casa. Afinal, o supermercado ainda me esperava e todas as obrigações normais de casa. Nos despedimos todos e nos desejamos ótimo final de semana. Boas lembranças deste dia.

Ao lado da casa da minha mãe funcionam alguns estabelecimentos comerciais. Dentre eles, um buffet infantil onde sempre tem festa. É assim todo domingo. Desta vez, enquanto passava à frente do buffet, notei um senhorzinho saindo do carro para a festa. Claramente ele não me viu nem viu que eu o vi. Vi a ele e suas rugas, vi as manchas depositadas em seu rosto, vi a dificuldade de seus movimentos, apoiando-se com cuidado e, visivelmente, com dor.

Achei muito bonito. Nada daquilo que poderia ser impeditivo de ele ir à festa da criança, conseguiu detê-lo. Seria seu neto? Sobrinho neto? O que seria, não importa. O que importa para aquela criança felizarda é o fato de o cansaço daquele velhinho, suas muitas marcas de expressão no rosto, suas mãos cansadas, sua expressão de dor... enfim: o que realmente importa é que nada disso o tenha impedido de ir à festa e fazer parte das lembranças daquela criança e de muitos que ali estavam. E de um sujeito que nunca mais o verá. Eu.


Ingenuidade por cima

"Reconhece a queda. Não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima", cantava Paulo Vanzolini. Brilhantemente, como sempre. É curioso como muitas vezes, livres de autopoliciamento e depois de alguns chopes, algumas falas ganham vida e caem sobre a mesa onde se encontram amigos batendo papo. De tudo se aproveita. Algumas histórias que ouvi me fizeram pensar como algumas pessoas são corajosas e, mesmo sabendo de suas limitações, não têm medo de se expor.

Conversa de mesa de bar. Vem um e conta: "Meu! Incrível, cara. Outro dia, fui dar meu endereço para a pessoa que me atendia: Alameda Juritis. E eu ouvi: 'desculpe, senhor, mas é com G ou ou J?' Eu fiquei pasmo e nem consegui dar a resposta. Devo ter tido um lapso de consciência. Quando recobrei, claro, respondi com educação à pergunta feita".

Não tardou muito depois dos sorrisos e alguém já emendou: "E eu? Faz um tempão já. Tava comprando material escolar pro meu moleque. Depois de escolher tudo - o que é sempre um estresse, porque é caderno com capa disso, borracha com forma daquilo, lápis assim e assado...-, enfim, depois de algum tempo, na hora de pagar, a pessoa me disse que se eu pagasse a vista, teria desconto de 10%. Claro que aceitei. Minha surpresa foi ver a pessoa descontando 10% de cada um dos produtos, um por um..."

Foi risada daqui, risada de lá, até que esse mesmo cara emendou: "Não, isso não é o pior". Aí quisemos saber o que poderia ter sido pior. E ele completou: o pior foi quando contei isso em outra ocasião, e a pessoa que me ouvia fez o seguinte comentário: 'puxa, você ganhou 10% sobre o preço de cada produto? Então você deve ter lucrado muito, hein!'..." Quem de nós já não cometeu uma gafe? Todos nós. Pois é, não são poucas as pessoas que dão a volta por cima.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

"Existimos. A que será que se destina?"

"Como sou feliz, quero ver feliz quem andar comigo" é um verso da música Brincar de Viver, cantada pela Bethânia, que eu ouço desde que era pequeno, na Mooca. Ouvia essa música na vilinha em que eu morava. Sempre tinha uns vizinhos que gostavam de ouvir música. Alto. Era o jeito de eles compartilharem (sem Facebook). Aprendi a ouvir de tudo um pouco. Aquilo me fazia bem e até hoje mora na minha lembrança ocupando um lugar muito especial, que sempre olho com muito carinho.

Assim como sei as coisas que em mim e nos outros me entristecem, também sei as coisas que em mim e nos outros me alegram. Não é segredo para ninguém o fato de que, neste mundo, depois da existência das minhas filhas, o que me dá mais alegria é ver alguém aprendendo comigo. A sensação de realização que isso me dá é incomensurável. Muito provavelmente, minha satisfação por ter ensinado seja maior do que a da pessoa que tiver aprendido comigo.

Hoje, enquanto preparava uma aluna para provas de um concurso que ela fará em setembro, recebi uma ligação. Não costumo deixar telefone ligado, mas havia uma necessidade das minhas filhas, que poderiam ligar a qualquer momento. Atendi. Não eram elas. Era um aluno meu, um menino de 11 anos, o qual, segundo os médicos, além de ter a atenção deficitária, ainda é hiperativo. Todo alegre, quase gritando de satisfação, estava me informando que havia superado uma de suas provas de recuperação. Eu, ele e a família dele, sabemos muito bem o que isso significa.

É assim, eu acho. A gente existe neste mundo para apoiar e ser apoiado; para motivar, para impulsionar às coisas boas; para aprender, para ensinar. Tudo isso, claro, reciprocamente. Com certeza, um jeito de amar. Aliás, o verso que antecede o que abriu esta reflexão é: "E eu desejo amar todos que eu cruzar pelo meu caminho". Lembro aqui um verso de Caetano: "Existimos. A que será que se destina?" Parte da resposta eu sei.

Pé na porta

"Passado é um pé no chão e um sabiá. Presente é a porta aberta. E futuro é o que virá. Mas, e daí?" O franzino de corpo e imenso de qualidade artística Gonzaguinha canta esses versos na música Com a Perna no Mundo. Uma lição para a vida, para se mirar nos fatos que se dão à nossa frente e recolocar em pauta o que já passamos, o que estamos vivendo e o que havemos de viver.

É curioso como uma porta aberta realmente permite que possamos lançar nosso olhar tanto para ela, a porta, quanto para o que está depois dela e para o que está antes. Sabemos quem está diante da porta, quem já passou por ela e imaginamos quem poderá passar. Mais curioso ainda é que, ao exercitarmos esse tipo de olhar, podemos claramente vislumbrar o que está imediatamente diante dos olhos quanto o que está para trás dela. Podemos, dessa forma, não só ver o presente e o passado, como também criar expectativas que conduzam ao futuro aquilo que é presente ou passado.

Duas experiências hoje (e meu hoje é mesmo uma porta aberta) me fizeram lançar meu olhar para longe de mim. Na primeira vez, conversei com uma grande amiga com quem trabalho há mais de 10 anos e, agora licenciado, coloco em xeque minha volta. Quer dizer: entre um girar e outro do suco, entre um girar e outro do café, aquela porta aberta me fazia olhar o futuro. Dali, meus olhos corriam pelas pessoas e fatos que estariam ou deixariam de estar á frente da porta.

Já agora à noite, recebi de minha mãe uma fotografia intrigante que remexeu imagens que estavam localizadas para bem distante da "porta aberta". Era a foto da casa em que morei até meus 4 anos. Já faz 40 anos que eu sequer vejo aquela casa. Outros tantos anos que eu nem vislumbrava as pessoas que ficaram para trás. Engraçado que, lembranças, vozes, movimentos vinha junto com uma rajada de lembranças que precisaram ser interrompidos. De fato, o passado é "pé no chão e um sabiá": o pé nos conduz aos recônditos da memória nos quais ainda se ouve o canto do sabiá. "Mas, e daí?"

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Ao que menos importa

"O desconforto anda solto no mundo. E você sempre junto e você sempre atento ao que menos importa" é um intrigante verso cantado por Zelia Duncan na música intitulada Desconforto. Essa música tem uma letra daquelas que fazem a gente parar e pensar sobre coisas que vão se tornando comuns e que, ao mesmo tempo vão transformando nossa percepção em algo desfocado, de modo que passemos a dar atenção a uma série de coisas que não são essenciais.

A mim, incomoda profundamente quando sou obrigado a perder tempo no trânsito. Isso já me irrita normalmente, sobretudo, pelo fato de, por morar em São Paulo, ter de me habituar a ficar em filas quilométricas a qualquer hora do dia e em qualquer que seja o roteiro que eu vier a escolher. Inclusive em finais de semana. Entretanto, tenho tomado isso como um exercício de paciência. Mas ficar parado apenas para aturar a curiosidade irresponsável de alguns que praticamente param seus carros apenas para contemplar um "pequeno incidente" no trânsito... ah, isso pra mim é de mais!

Ontem no Colégio, ao final da última aula, como sempre fui o último a sair. Também pudera: era necessário juntar livros, canetas, controles, computador, fios, papéis e mais sei lá o quê. Um burburinho me chamou a atenção no corredor: eram dois colegas brigando. Dois da sala onde eu estava. Não tive dúvida: com toda a parafernalha na mão, fui me desvencilhando das pessoas que estavam na frente até chegar aos dois e, meio sem jeito, contra uns lamentos e reclamações, separar os dois até garantir que um estivesse suficientemente longe do outro e que estivessem calmos para poder conversar depois.

Até aí, normal. Lidar com adolescentes às vezes (graças a Deus, isso é raro acontecer) favorece esse tipo de acontecimento. Entretanto, ver que havia gente incitando à briga já era algo revoltante. Mas não foi tudo. Tinha gente filmando. Aí, não. Para tudo. "Para o mundo, que eu quero descer". Foi mesmo de mais da conta. Não dá pra fechar os olhos para o fato de que pessoas preferem estar mais atentas ao "espetáculo" de uma cena de briga do que ao fato de haver duas pessoas se agredindo. Afinal, estamos atentos a quê?

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Sempre mais

"Eu quero sempre mais" é não só um verso do Ira!, como também o título da própria música. Taí uma banda que respeito muito, embora não seja grande conhecedor do trabalho do Nazi (que apresenta um bom programa na CBN) e do Edgar Scandurra (que hoje toca com Arnaldo Antunes). Como se vê, pelas veredas que ambos tomaram, parecem querer sempre mais mesmo.

Deve ser assim também pra gente. Respeitando, claro, os limites que temos, deveríamos ir além sempre. Deveríamos lutar contra o comodismo de manter tudo como está, em troca de uma certa segurança ou como resposta a um medo a mudanças. Putz! Rimei. Mas foi sem querer. Mesmo a regularidade das rimas pode ser objeto de progresso, no sentido de ser mais trabalhada, de se tornar rima rica, de se envolver em figura de linguagem que instiga o pensamento e desafia a compreensão.

Com muito prazer, tenho me dedicado ao meu escritório, atendendo alunos de todo tipo: crianças, jovens e adultos. Gente de ensino fundamental, médio e superior. Estudantes para provas, vestibulares e concursos. Profissionais para ensinar, assessorar e dar consultoria. Pessoas que ficam comigo por pequeno, médio ou longo prazo. Indivíduos que apresentam mínima, moderada ou máxima dificuldade.

É bem este último caso que tem me desafiado mais: trabalhar com quem tem muita dificuldade em aprender, em organizar um texto, em entender a forma e a função da gramática; em se manter concentrado, em reconhecer determinadas lacunas, em superar dificuldades simples. Essas pessoas é que têm despertado em mim o desejo de fazer mais, de me preparar mais. Porque eu, de fato, "quero sempre mais". 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Hoje é o que há

"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque, se você parar pra pensar, na verdade, não há". Esses mais do que conhecidos versos de Renato Russo, da música Pais e Filhos, vêm a propósito do que quero desenvolver aqui hoje, um dia após o Dia dos Pais. Ontem predominou no meu discurso mais a visão que filhos têm de pais. Hoje quero dar um tom diferente às cores desta tela.

Eu não hesitaria em dizer que o desejo maior de todo pai efetivamente ligado ao filho é o de ver o desenvolvimento, a passagem das fases da vida, até chegar à vida adulta e ver seu rebento sendo capaz de amar e se amado, de conviver, de ser feliz, de fazer feliz, de enfrentar e resolver problemas... simplesmente, ser capaz de viver os dias com a graça de poder aproveitar cada minuto com espontaneidade, equilíbrio e respeito e responsabilidade.

No dia de ontem, pude experimentar um dia assim. Estive com minhas filhas desde a tarde do dia anterior. Fomos ao cinema; depois passeamos e pude presenteá-las com o que gostam. Jantamos, conversando, rindo, falando sobre tudo e sobre nada,  apenas nos deliciando com o timbre da nossa voz, o gosto da nossa risada, a graça das nossas histórias, o prazer da nossa existência naquele momento. Mas o melhor estava por vir no Dia dos Pais.

Poder acordar cedo e lhes preparar café para quando acordassem e tomarmos café juntos. Curtir a manhã com boa música (George Harrison). Começar a preparar o almoço para elas no final da manhã e comermos no início da tarde. Passear pela Paulista sem muito destino. Sentir o prazer da companhia, do abraço, dos sorrisos e de tanta coisa boa que fizemos até o dia escurecer e esfriar. Isso tudo, sim, é um dia vivido. É um modo de "amar as pessoas como se não houvesse amanhã". Um jeito de amá-las hoje.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O pai no álbum de figurinhas

"Pai, você foi meu herói, meu bandido. Você foi muito mais que um amigo. Nem você nem ninguém está sozinho. Você faz parte deste caminho, que hoje eu sigo em paz". Muito bonitos e emocionantes esses versos cantados por Fábio Junior. Emocionantes, sobretudo, para quem sente intensamente a presença ou mesmo a ausência de um pai. No meu caso, a ausência.

Talvez por isso eu faça da minha paternidade, do meu jeito de ser pai, um conjunto de gestos que tenta resultar na formação de duas moças felizes, inteligentes, fortes, respeitosas e preparadas para o mundo que as aguarda. Para mim, este é justamente o objetivo principal da minha existência: tornar viável a existência delas, cada vez mais independentes, cada vez mais capazes de tocar a própria vida independentemente - inclusive, de mim.

Não tive essa oportunidade. Cedo fui apresentado a perdas. E a primeira perda de que me lembro é a do convívio com meu pai. Mas não vou falar disso aqui, agora, apesar de o momento ensejar que o assunto seja abordado. Penso que a gente aprende a seguir o jogo da vida, seja com todos os jogadores em campo, seja faltando um ou outro. Se o senso comum estiver certo, nada acontece por acaso.

Felizes aqueles que convivem com seus pais de modo saudável, cuidando deles, sendo cuidado por eles. Agradecendo-lhes, sendo agradecidos por eles. Mesmo os que não têm a presença física do pai, mas que o têm fazendo o coração bater - e chorar, chorar de saudade. Inclusive, os que são indiferentes aos pais. Imagino que todos, um dia, reconhecerão que a figura do pai ("herói" ou "bandido") é parte importante do álbum de figurinhas que integram a nossa vida.


sábado, 10 de agosto de 2013

Por quê?

"Por que os ossos doem enquanto a gente? Por que os dentes caem? Por onde os filhos saem?" São versos da Paula Toller, cantados por Adriana Calcanhoto - em um trabalho no qual ela se intitula Adriana Partimpim e se dedica a canções infantis. Nessa música, chamada Oito Anos, ficamos atordoados com tantos porquês inexplicáveis que muitas vezes as crianças nos fazem. E nós, muitas vezes, nos fazemos perguntas sobre o porquê de as crianças fazerem certas coisas... 

Na véspera do Dia dos Pais, estava eu almoçando em um desses restaurantes muito simples e de comida muito boa. Hoje, estranhei o fato de haver muitas crianças à mesa com seus pais. Algumas, poucas, quietinhas e dentro do que se espera delas em ambientes públicos. Mas havia três ali, que eu não posso deixar de contar e comentar.

A mais simples era uma menina que segurava com o mesmo entusiasmo a colher e a caneta. Havia hora que ela claramente invertia a função dos instrumentos: queria comer com a caneta e escrever com a colher. A algumas mesas ao lado, percebi outra criança de espírito científico empírico bastante educado. Em sua experiência de grande aprendizagem, ela conseguia inserir de volta todos os palitos que havia tirado do paliteiro. O pessoal à volta olhava e achava graça...

Mas a top mesmo foi uma menininha que de longe se via: adorava sal. Tanto, que pegava o pote de sal e o chacoalhava na própria mão que, rápida e com a maior naturalidade, dirigia-se à boca na qual poucos dentes frontais habitavam. Como se não bastasse, aquela mão agora cheia de saliva e sal agarrava o pote de vinagre, espalhando baba salgada por ele. Estava vendo a hora de ela destampar um daqueles potes só pelo prazer de ver algum distraído virando-o no próprio prato. Entretanto,para alegria geral, nada disso ela fez. Mas, para sorte dos demais clientes, isso não aconteceu. Por que não?

Sorriso de Monalisa

"Antigamente quando eu me excedia e fazia alguma coisa errada, naturalmente minha mãe dizia: é uma criança, não entende nada. Por dentro eu ria, satisfeito e mudo: eu era um homem e entendia tudo" são versos antigos cantados por Erasmo Carlos, esse respeitado músico brasileiro que viveu, por muito tempo, como uma espécie de sombra de Roberto Carlos.

Esses versos me vêm à propósito de uma situação que ocorre hoje no Colégio. Há uma enorme grupo de alunos que virão em pleno sábado de manhã fazer algumas provas de recuperação de nota. Virão mais três vezes durante a semana e em horário invertido, além de virem também no próximo sábado. Em cada dia, uma ou duas provas de cada matéria. É bastante; concordo.

Podemos pensar: ah...são crianças e estão com dificuldades de compreensão do conteúdo de cada área. E, assim, como pais, professores ou qualquer outro profissional da educação, vamos dando a eles subterfúgios para superarem (muitas vezes) paliativamente algumas notas, que nem sempre refletem seu aprendizado. Há oportunidades, é claro, em que o apoio que lhes damos acaba se transformando em aprendizagem efetiva. Aí, vibramos com o crescimento desses meninos.

Entretanto, não deve ser incomum nascer dentro deles um "sorriso de Monalisa", daquele tipo que não deixa claro se está ou não está rindo. Penso, satisfeitos e mudos, enxergarem-se como adultos que entendem tudo. Entendem, inclusive, que podem ser crianças quando lhes for conveniente e ser adultos quando a oportunidade lhes parecer efetiva. E a gente fica "com a alma atarantada", como criança que não entende nada.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Isso

"Parecia que não ia acontecer com a gente" é um verso angustiante de uma música do Titãs, essa banda paulista que encantou a todos com suas letras, músicas e performances em geral. Excelentes letristas como Arnaldo Antunes e Nando Reis, acompanhados de ótimos instrumentistas como Toni Belotto e Charles Gavin, além de bons vocalistas como Paulo Miklos, Sergio Brito e Branco Melo, chacoalharam o rock paulista e continuam fazendo "isso" até hoje.

Por sua imensa aplicabilidade, a palavra "isso" abrange tanta coisa, que até confunde quem ouve ou lê. Seja do mundo discursivo, seja do mundo concreto, cotidiano e secular, o bendito "isso" obscurece a compreensão de quem ouve e favorece a ambiguidade de quem fala, ainda que sem querer. Se sua referência não for clara, a chance de se fazer presente uma considerável confusão é bem grande.

No caso do uso dessa palavra no verso que utilizei para introduzir este texto, me causa imensa perplexidade perceber como é possível caber tanta angústia em um verso tão pequeno. Provavelmente pelo fato de a frase ser enunciada depois de ter acontecido aquilo a que se chama "isso". No contexto da letra da música, entende-se o tal "isso" como um esfriamento de uma relação amorosa. Mas, como o "isso" é o "todo-poderoso-isso", vou estendê-lo a outro contexto.

Tenho atendido alguns alunos que percebem, somente agora, que não estamos apenas iniciando um semestre, mas iniciando a parte final do ano. Então, ao se verem em situação delicada em termos de possibilidade de reprovação, lamentam e demoram a entender como é que puderam chegar àquela situação. Afinal, parecia que não ia acontecer com eles. Provavelmente estejam começando cedo a entender que o "isso", em qualquer tempo e lugar, pode integrar a vida de qualquer pessoa que se importe ou não com isso.

Apenas mais um tijolo na parede

"All in all you are just another brick in the wall" são versos conhecidos por quase todo mundo. Imagino que pouquíssimas pessoas desconhecem este clássico do Pink Floyd, do qual insiro aqui um link para quem quiser ver uma apresentação inesquecível: http://www.youtube.com/watch?v=xpxd3pZAVHI

É daquelas músicas que se canta numa espécie de frenesi, levado pela incontestável qualidade musical em termos de arranjo, de melodia, num jogo de pausas e crescentes em cada instrumento. Em poucos e simples acordes, constrói-se uma maravilha dessas. E cada instrumento ali, assim como voz e letra, ajuda a compor essa obra de arte. No entanto, pensar no que diz seu refrão é algo que pode dar um choque de realidade em muita gente.

Hoje, em uma das minhas aulas, alguns alunos se manifestaram publicamente na sala de aula, após eu concluir a revisão de um assunto pra eles, para que eu pudesse introduzir assunto novo (certamente o mais abstrato dos assuntos de que trataremos ao longo do ano). Disseram que finalmente haviam entendido aquilo que vinham tentando entender em aulas e aulas desde o ano anterior. Em sua ingenuidade, quiseram atribuir menos valor aos professores de séries anteriores.

Antes que isso acontecesse, interrompi. Disse-lhes que fiquei bastante feliz por finalmente terem conseguido entender aquele tema, que os capacitaria a aprofundar os novos conhecimentos deste semestre. Entretanto, aproveitei para lhes ensinar que aquela aprendizagem se devia menos a mim e muito mais a eles e seus professores anteriores. Se eles entenderam agora, é justamente porque colegas anteriores plantaram a semente no solo e, por sua vez, os próprios alunos estavam num estágio de maior maturidade. Todos nós, em tempos diferentes, ajudamos a construir esta realidade, esta parede, da qual somos apenas um tijolo.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Supor suportar

"Um rosto lindo e um sorriso encantador.  E um jeitinho de falar que me pirou. Que me pirou o cabeção". Esses versos foram cantados e recantados há poucos meses, como uma forma de celebrar a lembrança dos poucos meses passados desde a morte de Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr. Certamente muita coisa na vida desse rapaz foi grande e intensa, tal como sua (então) recente separação. Coisas assim intensamente vividas, realmente fazem pirar o cabeção.

Tem certas coisas na vida da gente que passam como se fossem um vendaval. Arrancam telhados, agitam lustres, balançam cortinas, espalham papéis... tiram tudo do lugar. Acho que em algumas fases da vida a intensidade dessa ventania é violentamente potencializada pelo próprio modo de encarar a vida. Uma dessas fases é a adolescência: muita coisa parece ser vista através de uma imensa lente de infinitos graus. Muita coisa parece ser ouvida através de uma imensa caixa de ressonância. E, assim, tudo parece ficar muito maior do que seus ombros poderiam um dia supor suportar

E quem vai dizer para o adolescente que ele está superestimando determinada fala, determinado acontecimento, determinada dificuldade. Quem? Nessa hora ele superpotencializa o fato de não estar sendo entendido e de os outros não conseguirem ver as coisas como ele vê. É óbvio que a tendência é de que ele se considere certo e que o resto do mundo esteja errado.

É nessa hora que deve dar o desespero. Em horas como essa é que dá a vontade de enfiar algumas coisas numa mochila, dar aos pés um chão onde possam caminhar sem destino, morrendo de vontade de dar um fim à própria história. A gente que trabalha com adolescente vê isso com alguma frequência. Claro, não é maioria, graças a Deus. Mas é, no mínimo, curioso ver o quanto algumas coisas são capazes de pirar o cabeção desses adolescentes de "rosto lindo e sorriso encantador".


Marcas

"Na galeria, cada clarão é como um dia depois de outro dia, abrindo um salão. Passas em exposição. Passas sem ver teu vigia, catando a poesia que entornas no chão"... conhecidos versos desse genial Chico Buarque de Hollanda. Apenas para dar um exemplo, assim, singelo: veja-se como a nota da música, reservada para a palavra "chão", é grave, é baixa. Claro, para combinar com a palavra "chão". Assim como na música "Beatriz", vale ver onde o Chico colocou a nota mais alta. Um gênio, esse rapaz. Não só por isso, claro. Letra e melodia. Metáforas e excelente uso do Português. Enfim, enumeraria muitas qualidades desse artista que, por onde vai, o que quer que escreva, o que quer que cante... deixa sua marca.

As pessoas, com ou sem a genialidade do Chico, com toda certeza, deixam sua marca. E marcas, assim como produtos e serviços, há aos montes. Tem gente que se faz incrustar na mente dos outros com coisas materiais, que os sentidos apreendem: roupas perfeitamente combinadas ou esdrúxulas; perfumes que escolhem as narinas para adentrar o cérebro e o coração. Presentes que, muito independentemente de serem caros ou baratos, revelam um momento de grande afeição e transcendem o mero material.

Outras pessoas fazem isto mesmo: elas vão além do mero material. marcam as outras com coisas que estão para muito além do material. Por mais que palavras sejam fisicamente materiais, sejam elas faladas ou escritas, não se limitam ao aspecto fônico ou gráfico. Palavras são mais percebidas que roupas, são mais inaladas que perfumes, são mais incorporadas que presentes... claro, são tudo isso quando vêm carregadas da alma de quem as disse e escreveu.

Há até as pessoas que marcam pela indiferença, por aquele sentimento que não ocupa espaço algum na mente nem no coração de outras. Mas essa, embora seja inegavelmente uma marca, é uma marca insossa, inodora. E nem por ser assim deixa de ser marca. Não é assim que queremos estar na mente e no coração das pessoas. Até porque não somos assim. Certamente, para alguém, passamos em exposição e não vemos vigias que catam a poesia que entornamos no chão.


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

De menino pra menino

"Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração. Toda vez que o adulto balança, ele vem pra me dar a mão". Esses são versos da música Bola de Meia, Bola de Gude, do Milton Nascimento - a qual eu citei aqui há pouquíssimos dias. Retomo-a hoje para tratar de outro ponto de vista: em vez de falar do adulto, vou falar do menino. Ou melhor, do menino encantando o adulto.

Dos pequenos vêm coisas grandes. Tinha muita razão Jesus quando ordenava àqueles que tentavam impedir: deixar vir a mim as criancinhas, pois delas é o Reino dos Céus. (Nem vou colocar entre aspas, pois não sei se a citação está certa - e este não é um blog científico). As crianças merecem ser olhadas de frente, olhos nos olhos, merecem nosso contato e nosso ouvido atento. Da simplicidade de seus gestos nascem ensinamentos grandiosos.

Adoro presentear as pessoas. Meu sobrinho então... até precisei me controlar um tempo, porque era toda semana que eu o presenteava. Hoje, para estimular seu gosto pela escrita, comprei um caderninho pra ele. E pedi que ele escrevesse, todo dia, uma historinha pra mim. Pequena, de três linhas só. (ele ainda não está alfabetizado) Qualquer história, o que quer que fosse, desde que fosse com o jeitinho dele. Seus pais o orientaram a me agradecer: "como é que se diz, filho?".

Só o gosto com que ele recebeu aquele caderninho absolutamente simples já valeu. Mas depois da solicitação dos pais, ele se pôs a cantar em inglês uma musiquinha que citava os números de 1 a 10. Depois emendou outra musiquinha que citava os meses, um por um. O detalhe era que em certos intervalos de números e em certos intervalos de meses, vinha o refrão: "I love you". Esse meu sobrinho sabe bem o que dizer para meu menino interior, quando o adulto aqui balança.

sábado, 3 de agosto de 2013

Palavras que abraçam

"As palavras saem quase sem querer, rezam por nós dois. Tome conta do que vai dizer. Elas estão dentro dos meus olhos, da minha boca, dos meus ombros. Se quiser ouvir, é fácil perceber", são versos cantados com a firme e singular voz da mato-grossense Vanessa da Mata. A música fala de uma das coisas que mais me encantam: a palavra. Quem me conhece sabe que, para mim, a palavra é a grande responsável pelas coisas que há, pelas que hão de existir, bem como pela falência do que não existe mais. As palavras abraçam e abandonam.

A gente que é pai se orgulha de algumas coisas assim pequenas que para uns soam como obrigação e, para outros, como a coisa mais comum do mundo - digamos - familiar. Acho que o tempo, os afazeres, os pequenos e grandes estresses, o acúmulos de pequenos detritos no coração vão fazendo os sentimentos e a capacidade de reconhecimento se solidificarem de tal modo que, para algo ser valorizado, precisa ser grande, caro, difícil - quase um trabalho de Hércules.

Mas as coisas não precisam ser grandes para serem reconhecidas como importantes. Elas só precisam ser inteiras, como dizia o maior dos poetas modernistas portugueses: Fernando Nogueira Pessoa. Elas só precisam partir de uma alma íntegra, consciente e desinteressada, que age motivada pelo gosto do agir, pelo prazer de promover o bem, pela satisfação de propiciar condições para que algo aconteça.

Poder dizer  palavras de incentivo, de reconhecimento, de valorização diretamente para aqueles a quem geramos é algo que parece conectar as existências; algo que dá a impressão de superar os frágeis limites dessa vida tão marcada pela ausência de marca, uma vida cada vez mais desprovida de providências em prol do próximo. Motivar e valorizar os gestos cotidianos de minhas filhas me dá a suave sensação de que minhas palavras abraçam as duas e lhes fortalecem a alma, o espírito, o sentido de existir.

Ficar do tamanho da paz

"Eu quero uma casa no campo, onde eu possa ficar do tamanho da paz e tenha somente a certeza dos limites do corpo e nada mais" são versos de Zé Rodrix - excelente cantor e compositor, que depois veio a cantar com a inesquecível dupla Sá e Guarabyra. Essa música, especificamente, ficou muito conhecida na voz da não menos conhecida por seu talento incomensurável Elis Regina. A música fala dos desejos simples que são cultivados e que servem como mola propulsora dos sentidos que a vida pode ir adquirindo.

Entre o fim das aulas da manhã e o início das da tarde, almoçava hoje concentrado em um monte de coisas que tinha por fazer dentro do espaço de dia que me faltava cumprir. Às vezes a vida nos presenteia com regalos cuja importância é maior do que o que de maior se pode imaginar. Minha concentração foi quebrada pela chegada surpresa de um grande amigo que se sentou à minha frente, sabendo ser natural e absolutamente agradável a sua presença. Afinal de contas, sempre que nos encontramos, assuntos da vida recheados de música emergem.

Não foi diferente naquele momento. Depois de falarmos do dia, passamos a dar espaço para que a vida falasse por nós. E isso é uma das coisas mais geniais que emergem das conversas sinceras e sedentas de expor a própria sede e matar a do outro. Daquele momento brevíssimo de almoço, fomos levados a um tempo que está por vir; tempo no qual a existência estará muito diferente do modo como ela se configura agora.

Embora nossos sonhos sejam diferentes nos objetivos e saibamos que temos muito o que fazer para poder vislumbrar a olho nu a proximidade dessa intenção, pudemos ver que tem um motor que nos impulsiona a um modo mais sublime de existir. Um modo que implica paraquedismo, por um lado, e, por outro, contato com crianças e apresentações musicais próprias. Esse motor é justamente o sonho possível, aquilo que Zé Rodrix chamou de espaço "onde eu possa ficar do tamanho da paz".

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Ascender

"Toda vez que o adulto fraqueja, ele vem pra me dar a mão" é um dos últimos versos da música Bola de Meia Bola de Gude, do impressionantemente simples e incomensuravelmente grande Milton Nascimento. Esse verso fala da presença de alguém que está por perto para dar a mão a cada vez que um outro alguém dá sinais de que aquilo que ele carrega está maior do que o peso que ele pode carregar.

Nos primeiros meses do Sempreever, publiquei um texto que falava um pouco disso; que falava do fato de que em certos momentos de nossa vida certamente há pessoas que extrapolam o status de simples pessoas e se configuram como anjos. Assim, na simplicidade humana de carne e osso; assim, na complexidade transcendental de...

Na volta das férias presenciei um diálogo em que uma frase revela um pouco desse estado para o qual às vezes somos elevados, para o qual alguém é elevado diante de nós, ascendendo a dimensões indecifráveis. Imediatamente após o final do diálogo, após algumas frações de segundo, o silêncio foi rompido pela crua "ex-posição" de uma descoberta: '... só agora estou percebendo que nos meus momentos mais difíceis você sempre esteve por perto com uma palavra de incentivo'. Os olhos adultos disfarçadamente marejados ouviram um lugar comum, do tipo 'amigo é pra essas coisas'. E o diálogo se desfez.

Mas o peso daquelas palavras e seu poder de vida ainda ecoam como se ainda estivesse presenciando a cena uma vez, outra vez e outra vez. Quisera pudéssemos ser anjos para os outros e fazermos diferença na vida das pessoas. Quisera pudéssemos ser anjos de nós mesmos, e que o menino que habita em nós pudesse estender suas mãos e suas asas para dividir o peso de um fardo aparentemente mais pesado que nós mesmos, no momento em que estivéssemos por fraquejar.